Porque quando eu era bem pequena, tudo o que a gente podia fazer era embarcar na Caravan bege do papai mesmo. Nada de passarinho de metal pra nós, éramos um bando muito custoso. De carro, a gente conheceu todo o interior de São Paulo e uma gorda parte do sul do Brasil, que meus velhos adoravam (e ainda adoram). Era divertidíssimo, lá pelos 6 anos, entrar nessa parada. Mesmo meu pai fazendo tão poucas paradas...
Eram looongas horas no banco traseiro ou mesmo no porta-malas - sim, a gente tinha comportamente periclitante nos anos 80. Talvez por isso, com o tempo, viajar de carro passou a ser um martírio. Um porre. Um saco do tamanho do Amazonas. Nem pegar o mapa rodoviário e encontrar nomes de cidades como Vira Onça, Canastrão ou Barcelona tinha mais graça. Nem contar os postes. Nem provocar a minha irmã, esporte favorito daqueles tempos.
E eu aposentei compridas viagens de carro da minha preferência. Dono da Casa sempre insistiu pra irmos mais vezes - "quem sabe Brasília? Quem sabe Curitiba? Vamos só até o Rio, vai?". E eu, que nada. Daí vieram essas férias, Sabrina doidinha pra ir dar umas bandas pelo mundo (porque quem sai aos seus não degenera) e... houve uma barriga de Olívia no meio do caminho.
Barriga esta que não cabe num avião. Vamos então... de carro?? Pois é, de carro. Eu mesma tive a ideia, escolhi lugar, pesquisei pousada. Devia estar possuída pelo espírito de meu pai. Mas pelo menos não fiquei reclamando do tamanho da mala de ninguém. E semana passada, assim, entramos nessa onda com gosto e tomamos o rumo da doce, iluminada e santificada Minas Gerais. Tiradentes, pra ser mais precisa.
Fazer malas foi facílimo, que eu estava é acostumada a compactar as posses pra caber no gosto das companhias aéreas - e, portanto, levar quanta roupa eu quisesse, quantas sacolas extras me aprouvessem e quantos bichos de pelúcia Sabrina desejasse foi uma farra. Fiz com gosto até o embornal de comidinhas pra devorar no carro, composto por muitos sucos, frutas resistentes e um pacote indecente de biscoito de polvilho!
Seriam quase seis horas pra ida, outras seis para a volta. E foram. Foram diversos CDs tocados, vários jogos de "adivinha o bicho" e "adivinha o objeto" com a insone Sasá, muitas horas de papo furado. Notei passarem os canteiros de morangos, depois os pés de laranja, depois os pés de café e então as centenas de vaquinhas leiteiras. Percebi que as viagens de carro podem mesmo ser cansativas, dolorosas até, mas que encanto pros olhos...
Nenhum avião pode fazer isso por nós. Ah, ok, eles podem nos levar sobre oceanos, coisa que a banheira do Dono da Casa ainda não faz, mas tem aquele lance de ficar confinado no ar cheio de vício, na poltrona apertada, com o banheiro limitado e a falta completa de vista. Pra não falar na comida de bordo, nos atrasos e na comissária com jeito de militar-poucos-amigos.
De carro a gente parou pra almoçar no posto e tomar picolé; esticamos as pernas quando bem entendemos, rimos dos carros superlotados de tralha, fotografamos a estátua do Pelé em Três Corações e paramos pra ouvir a conversa fiada do adorável proprietário do "Rei da Traíra" (que serve um prato só, tem nem cardápio, uma delícia!).
Foram cinco dias de diversão tranquila e encantadora na antiga Vila Rica, com muita culinária de fogão de lenha, muito passeio de charrete, muito sono, muito sol, muita água da bica. Foram também as tais 12 horas de viagem no carro. E foram fabulosas. Com elas, o moto de vida continua, agora com ainda mais possibilidades.