A minha vó sabia fazer toda e qualquer comida que fosse uma delícia - e não só aquelas massas todas com aquele molho-espetáculo, mas também a sopa mais simples, a salada mais banal, o doce mais singelo. Eu acho que até o pão francês com manteiga, na casa da minha vó, tinha outro gosto. Um gosto que eu nunca encontrei igual.
A minha vó costurava. Quando a gente era pequena, ela ainda costurava bastante - e não fazia almofadinha safada como eu, mas vestidos inteiros, trajes completos, com o tecido que fosse.
A minha vó não sabia dirigir nem usar twitter, mas a minha vó sabia tudo o mais. E o que era mais importante. Ela sabia receber, com entusiasmo e na maior paz, todas as 900 pessoas que baixavam na casa dela nos fins de semana. É que todo mundo queria muito baixar na casa da minha vó, porque sabia que lá sempre tinha algo gostoso pra comer, bom papo e um sorriso no rosto.
Ela sabia inclusive ser bem, bem engraçada, abusando de acessórios como chapéus e camisas do meu vô pra fazer encenações e palhaçadas sem igual. E sabia montar uma boa mesa de jogatina (na maioria das vezes, bingo ou baralho), pra entreter a galera dos 8 aos 80. E sabia cuidar de tudo o que era planta, até dos brincos-de-princesa que, lá naquela indefectível "casa de vó", floriam enlouquecidos.
Minha vó soube misturar as tradições diretas da Itália com as tradições típicas de Brasil. Soube bem cedo o que era trabalhar na roça e também como criar seis filhos e mais um sobrinho - todos numa casa térrea de dois quartos e meio. Soube ser a carcamana durona quando foi preciso e soube ser a brasiliana irreverente também, mostrando carinho muito menos com palavras do que com pratos deixados no forno pros filhos e beijocas e palavras doces pros netos.
A minha vó faleceu hoje, aos 90, no mesmo quarto que ela dormia há seis décadas. O quarto imaculado, cheirando a pó de arroz e carinho, com colcha de crochê, guarda-roupa encerado e uma penteadeira onde sempre esteve uma foto dela ainda jovem, de coque baixo e rosto tenso. Uma luzinha se apagou dentro de mim hoje, mas se a morte faz parte da vida, não tem o que lamentar. Sempre vai ter o que lembrar, porém. Porque a gente pode nunca mais ver a Emília risonha, fazendo nhoque e cuidando dos gerânios, mas a gente guardará a Emília dentro de nós, todo dia, em cada detalhe.