Quando a gente tem filhos, sabe que um dia vai precisar ter aquela conversa. AQUELA lá. É difícil, porque a gente imagina mil possibilidades de como o assunto vai surgir, mas nunca está preparado mesmo, mesmo.
Então as coisas seguem seu curso e, ué, chega o dia da tal conversa. Complicado, viu? Dizer o quê praqueles olhos que te olham fundo querendo uma resposta urgente - ou mais de uma?
A gente roda um pouco, dá umas voltas, faz umas comparações e ilações e utiliza as metáforas mais estapafúrdias... Mas tem o momento crítico, aquele do "porquê, pra quê, como assim, mamãe?". Não tem escapada. Vai ser preciso dizer logo e de uma vez, como arrancar o band-aid genérico que leva embora a casquinha e deixa aquela cola preta.
Faz umas semanas que a Sabrina veio querer saber. E agora eu digo: a conversa e todos os questionamentos que a envolvem não tinha nada a ver com sexo, partes privadas do corpo, meninos e meninas ou qualquer coisa assim que o caríssimo leitor possa ter imaginado. Sabrina queria saber por que o amigo dela deu-lhe um soco bem na barriga. Eu sabia que um dia ia precisar ter com ela a conversa sobre a violência dos humanos, mas demorei uns instantes pra saber bem o que dizer.
O menino não era só um menino, era um dos melhores amigos. E não deu-lhe o supracitado socão porque ela fez qualquer coisa pra desnorteá-lo; ele bateu porque ela pediu que ele tirasse a lancheira do banco pra ela sentar no único lugar disponível. Assim, de graça, do nada. Disse que ele era mais forte e "tum". E ele não pediu desculpa. Foi o suficiente pra Sabrina contestar por que algumas pessoas batem.
Daí a gente começa explicando que, pra começo, é um moleque besta que deve ter aprendido em casa que bater é algo aceitável - mas que não é, não. A gente fala sobre o espaço do outro, sobre a raiva que dá um troço desses, mas que a gente não revida porque senão o mundo nunca vai ficar melhor. A gente fala sobre se defender de todas as outras formas possíveis e legalmente aceitas - e, no fim, a gente diz que sente muito por coisas assim acontecerem, se oferece pra falar com a mãe do menino e dá um abraço bem forte e apertado seguido por um copo de leite morno.
Eu preferia 1.764 vezes começar a explicar pra Sá de onde vêm os bebês do que ter que explicar por que algumas pessoas acham certo usar de força bruta e outros artifícios medievais pra se impor. Até porque, eu não sei se eu sei isso!
Mas se a violência parece não ter dia pra acabar na nossa vida - e o conceito daquele filme "A Vila" ainda não existe, pra gente se inscrever -, o jeito é dar aquelas voltas e ajudá-la a tentar compreender, se defender e reagir numa boa medida. Não é do meu feitio dizer "na próxima, vai lá e dá na cara dele de volta". Nunca foi, nunca será. Prefiro conversar e, juntas, pensarmos em algo que vá surtir efeito - um efeito que faça ela se sentir melhor, justiçada e com a esperança de que não vai mais acontecer.
Decidimos telefonar pra ele e EXIGIR o pedido de desculpas. Ele não quis pedir. Então a Sabrina pediu pra falar com a mãe dele - e aí o moleque riu-se todo, disse que a mãe dele "não faz nada". Bom, aí a Sabrina pediu então pra falar com o pai dele. Disse melhor: "então você pode chamar o seu pai, que a minha mãe disse que quer falar com ele?". Ele gaguejou um bocadinho e pediu desculpas. Despediram-se com beijos e tal.
Vão ter novos episódios - esse não é um filme, é um seriado. Eu sei disso, ela sabe disso... Nós estamos preparadas para voltar ao tópico e pra tomar nossas atitudes. Somos da paz - mas não mexa com o nosso poder de conversar até sentir que tudo se resolveu!
quarta-feira, 20 de abril de 2011
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9 comentários:
Putz, Flá, me vi pequenininha agora, quando apanhei pela primeira vez. Também foi um socão no estômago da minha melhor amiga na época. Acho que doeu mais a 'traição' do que o soco em si.
Infelizmente aconteceu outras vezes, a maioria só ameaça, mas como doía.
Fico feliz de ver você ensinando essas coisas de uma forma tão bonita pra Sabrina. O mundo não está de todo perdido.
Beijos!
Ai que triste, eu não sei o que faria... Tenho medo de acabar sendo muito grossa com os pais ou então de ser molenga demais e me ignorarem. Ô negócio complicado.
Lembro de uma vez que também tomei um tapa completamente gratuito na escola e fique assim, sem ação.
Eu acho bom que estejam falando desse negócio de bullying (não é o caso em questão mas está relacionado com a violência também) pois infelizmente a escola acaba sendo um local muito condescendente e fazendo vista grossa a certas atitudes inaceitáveis, que deveriam ter tolerância zero e que todos nós conhecemos muito bem de ver, de perto ou até mesmo por ter passado por isso alguma vez.
Nossa, é mesmo uma questão difícil. Eu fico triste com essas situações e revoltada com os pais que dizem aos seus filhos que eles têm que "aprender a bater pra se defender"! Que bom que esse não é o caso da Sabrina.
Sara
O que ele disse da mãe explica quase tudo. Eu sei exactamente o que ela sentiu.
Ai,vida dura a de mãe.
Sabrina e vc foram fofas,fiquei
emocionada , bom seria se todos pais fossem civilizados assim.
Bjos em vcs.
Ai, tô emocionada tbém.
Pior, viu, é que meu filho mtas vezes bate em outras crianças. Mas ele nunca aprendeu em casa que isso é aceitável. Jamais.
Ele, ao menos, costuma se desculpar logo com amiguinhas e amiguinhas. Mas pela persistência de suas agressões, fui obrigada a procurar ajuda.
E pensar que tudo isso começou qdo, na antiga escola, meu guri passou a ser ridicularizado por uma característica pessoal...
Se arrependimento matasse, eu já estaria morta há algum tempo. Demorei pra resolver o tal problema que suscitou gozações na escolinha. Agora ele está em outro ambiente, mto mais entrosado com a turma, mas já aprendeu a reagir com violência na iminência de qquer sentimento ruim - tristeza, angústia, dor, qualquer coisa.
Espero que eu e ele consigamos recuperar o tempo que passou, dar uma reviravolta na história e ter um final feliz que dure para sempre hehehe...
[desabafo: off]
Faço minhas as palavras da moniquinha: ai vida dura de mãe!
bjim!!
Nem ia comentar por falta de experiência neste assunto, mas ontem surgiu:
-- Mamãe, porque o Lucas me deu um soco no rosto? E ele disse que a Tia disse que pode me bater...
Hoje vamos lá conversar com a Tia, mas só de escrever isso aqui tô com um nó na garganta...
passei por esa situação qdo meu filho tinha 4 anos, escola particular, duas professoras para 15 alunos e meu filho chega com uma mordida no braço, 2 dias depois com um galo testa pois o mesmo "amiguinho" deu uma vassourada (onde arrumou a vassoura???) aí eu surtei, disse que sempre ensinei que amiguinho não bate, quem bate e machuca não tem educação, etc, etc então agora ele podia bater também, reagir, e ele na sua inocência e no alto dos seus quatro anos me respondeu
-não adiantava bater nele mamãe, eu já tinha chorado, tinha doído, a Tia colocou ele de castigo e bater nele não ia passar minha dor... procurei imediatamente uma psicologa que me ajudou e muito lidar com esse universo tão peculiar que é o universo infantil. Hj meu filho tem 21 anos, saudável, da paz, e super bem resolvido! cada vez mais me convenço que o caminho é realmente a conversa e o bom senso!!!
BJ
Selma
Ô, gentes... Obrigada por compartilharem todos esses comentários, viu? Pensei muito sobre todos eles, porque esse é um assunto em constante movimento pra mim (a pessoa que queria que o mundo de todas as crianças fosse rosinha e azulzinho todo dia, a vida toda...).
Aos que já bateram, aos que já foram batidos... Tudo isso acontece, mas o que cabe é refletir assim que rola e tomar uma atitude. Porque a coisa tem tantos aspectos, né? A gente ressente pelo que apanha, mas também morre de medo de ser a mãe do que bate. A gente quer ver a criança reagir e dar uma muqueta no olho do agressor no mesmo tanto que a gente quer ver o agressor se arrepender e se redimir sem precisar levar o troco.
São as coisas da vida - e oxalá nossos pequenininhos aprendam a lidar o melhor possível com elas, né? :-]
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