quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eu, ela e la vie en rose

Ela tinha 8 anos quando eu nasci. Ela tinha 21 anos quando deu no pé pra casar e, portanto, noves fora escorrega o cinco, nós dividimos quarto por 13 anos. Eu só posso dizer sobre os seis, sete anos finais; ela com certeza diria que foram todos os 13 anos um grandecíssimo inferno.

A minha irmã sempre foi dessas pessoas do sexo feminino completamente doidas por criança. Ela adora mimar, brincar, zoar, pintar unha, fazer casinha, cozinhar bolinho. Bom, ela sempre foi assim com toda criança, mas não tanto comigo. Comigo ela desenhou umas flores e talvez tenha cerzido um traje de Susi aqui, outro ali. Eu sempre fui meio que o porrezinho que chegou pra atazanar a vida boa dela. Pudera.

Enfiaram a mim, ainda bebê, no quarto da pobre. A pobre já gostava de maquiagem, Melissa de fivela e das Panteras e eu ainda babava. A menina queria sossego pra ouvir a trilha sonora de Grease, eu invadia o recinto com pés sujos de terra e insistia pra que ela jogasse ludo comigo.

Ela cresceu, arrumou namorado, ficou de papinho no portão. Eu me escondia atrás da cortina do nosso quarto e ficava rindo baixinho dela abraçada com os rapazes (pro total avexamento dela). Acho que até contei alguma coisa sobre isso pra alguém... Ah, sim, foi mais ou menos "pai, a Silvia tá beijando um menino lá na rua e já são 22h05...".

Piorou demais, demais quando ela, já quase adulta, era obrigada a "me olhar" quando meus pais saíam. Ela nem me olhava, isso eu digo. Não que precisasse, que eu nunca fui de atear fogo em cortina, mas... Olha, eu bem que assisti uns filmes absurdos e depois tive pesadelo porque ela devia estar "me olhando" e não estava.

Ela odiava isso, "me olhar". Eu acho até que ela ME odiava. Fazendo a autocrítica, não era de todo desumano me odiar. Ela queria um quarto de princesa com colcha de matelassê com babados, cortina combinada e aqueles cabides de parede em forma de menininha Bem-Me-Quer de chapelão. Eu queria edredom nos tons do arco-íris e todo o espaço pra mim. O recinto foi meio que dividido ao meio quanto aos estilos - e tem coisa mais antidecorativa que isso?

Ela só queria respeito ao armário dela, conforme os 11.874 discursos reivindicatórios que fez pra mamãe - e enquanto isso eu estava lá no quarto, fuçando as gavetas arrumadinhas dela na caça de uma meia limpa e sem furos.

Ela queria ler até tarde com a luz acesa que Thomas Edison nos deu. Eu também, mas meu gibi do Tio Patinhas acabava muito mais rápido que o último volume do Sidney Sheldon dela, e aí eu queria muito que ela apagasse logo aquele holofote dos infernos. E a gente tinha altos interlúdios por isso. Com palavrões acoplados. Bom, digamos que eu aprendi a dormir com luz acesa.

Eu imagino o que ela diria sobre aqueles dias insanos, mas quero aqui levantar a bandeira branca: hoje eu sinto saudades. Dividir o quarto com a minha irmã é uma das coisas que me fez como eu sou hoje. Nem melhor nem pior, apenas mais respeitosa com quem divide o espaço conosco. E ainda com ojeriza de matelassê e babados.

Não tenho saudades das brigas, dos tapas, dos xingamentos nem das delações pros pais. Mas tenho saudades dela ali tão perto, ao alcance de um crock na cabeça ou de um palpite não solicitado. Ou de uma companhia pra fazer desenho, de alguém pra dizer se a saia estava bonita, de uma palavra de humor cheio de cinismo...

Penso um dia botar a Olívia dormir no quarto com a Sabrina, só pra ver o fuá que vai dar. Isso as fará mais fortes como fez a mim e à Silvia. E depois elas sempre poderão lembrar com saudades. Ou pensar como eu e a Si pensamos hoje: "onde aquela mulher estava com a droga da cabeça?".


Te ligo logo mais pra importunar, tá? Pode apostar suas meias rosinhas muito limpas

6 comentários:

Marcelo disse...

Deveras, eu odiava dividir quarto com meu irmão, insone que me acordava, roubava minhas meias, me fazia tropeçar na cabolhada do videogame, brigava pelo direito de ouvir som alto e perguntava se eu tinha visto isso, aquilo e aquiloutro enquanto eu tentava terminar o trabalho de geografia pro dia seguinte. Que ótimos maus tempos aqueles!

moniquinha disse...

Puxa,que delícia ler o texto!
Olha,em casa somos em 4 irmãs,mas o resto era igualzinho..rs
Só que eu era uma santa,detestava ter que sair com as irmãs + velhas,pra poderem namorar,era um porre!mas lá estava eu,sendo paparicada pelos namorados de todas..ehehe
Bons tempos!!

A,acho muito bom as irmãs dividirem o quarto,será divertido,pra vc pelo menos..ahaha.
Bjos

Dri_ disse...

Não sei onde, mas por seu intermédio, vi umas coisinhas que sua irmã (parabéns pra ela!) faz com as abençoadas mãos. Ela não tem site não?

Anônimo disse...

Que bonito. Sou filha única, mas sempre sonhei em ter uma irmã/irmão pra dividir o quarto e a vida...
Sara.

Nanael Soubaim disse...

Adoro gente que escreve correctamente as horas, em vez de 22:05hrsdn.
Foi uma convivência curta, Wonka. Vocês precisavam se apressar no aparar de arestas, ou ainda hoje não perceberiam o quanto se adoram. Isto seria triste, não?

Sócia da Light disse...

Dri, minha irmã é ás de várias artes, assim como a minha mãe. Eu acho que sou adotada.

Ela não tem site. Mas se hora dessas rolar bazar (às vezes ela esquece que é um inferno fazer bazar e faz), eu te mando convite!

Beijo!