Existem, é óbvio, várias coisas que eu acho legais demais sobre a maternidade. Uma delas, que acontece até mesmo antes do bebê chegar, é que a mãe ganha um status diferenciado na sociedade. A maioria que passa pelo nosso barrigão quer nos parabenizar e afagar - às vezes até demais, e a mãe se sente uma estátua sacra de templo, periodicamente bolinada em meio às preces. Bom, esse brilho extra, essa importância de vetor da perpetuação da Humanidade e essa especialidade toda são bem legais. Bem mais legais, eu diria, que o outro lado da moeda, quando a gente vira "um bicho escroto que está dando cria pra ajudar a piorar esse maldito planeta".
É exatamente assim que muitos fazem uma mãe se sentir. No âmbito profissional, principalmente. Depois dos parabéns pelo bebê, acabou simpatia, viu? É neguinho de nariz torto porque aquela ali saiu de licença maternidade e a gente ficou com os abacaxis dela; gente de ovo virado porque a mãe recente voltou à labuta, mas telefona sofregamente pra saber do filhote; é a turma fofocandinho porque a fulana não anda lá muito bem penteada e as olheiras fazem-na parecer um panda. A coitada lutando noite adentro pra nanar o bebê não importa; "quis ter, agora 'guenta".
É, bom, a gente 'guenta mesmo. Eu aguentei. Vez por outra, ao aguentar, acabei dividindo isso e aquilo sobre a vida de mãe - só pra notar que a maioria não estava com saco praquele papo. Como freelancer, também aconteceu de não poder pegar o trabalho porque a menininha estava febril ou em fase complicada. Ninguém queria saber. E eu parei de comentar.
Ainda assim, porém, eu não podia levar a minha filha pro alto do vulcão e sacrificá-la em prol de um trabalho temporário espectacular. Não podia e não queria. E mesmo sem comentar nada em detalhes, tive que negar fogo outras vezes pela vida pessoal. Um dia desses aí, sala de reunião lotada de homens, expliquei que não poderia fazer a matéria porque envolvia uma viagem de uma semana. Assim, sem detalhes. Perguntaram por que, diabos, e então tive que soltar, uai, que eu tinha uma filha e cuidava dela sozinha, não podendo sumir do mapa por sete dias.
O retorno? "Você nunca ouviu a palavra 'babá', não?". Assim, direto de esquerda. Bom, eu conhecia a palavra 'babá' e nunca considerei um palavrão, mas o fato era que eu não tinha, não queria ter e não achava necessidade. Perder alguns trabalhos por isso estava no meu programa. Não no dos caras, porém.
E naquele dia ainda ouvi muitas baboseiras mais, como por exemplo "mas eu tenho filho e a minha mulher deixa com a babá pra trabalhar" (vejam que a mulher deixa com a babá; ele, não; ele deixa com a mulher, já que ela quem teve "a coisa" e, portanto, deve se encarregar disso). E naquele mesmo dia, deixando o prédio com vidros espelhados e povoado pela misoginia, decidi que nunca mais eu sequer tocaria no nome das minhas filhas pra recusar um trabalho.
Inventei cirurgia de separação do córtex cerebral, trabalhos fictícios em outra dimensão, reformas da casa do cachorro que eu não possuo; aleguei de tudo, menos algo que citasse minha vida em família e, sobretudo, as crianças. A sociedade brasileira é afável com a meninada - desde que ela não atravanque o progresso.
Às vezes sinto que deixei "eles vencerem", mas sacudo a poeira e fica assim. Melhor deixar pra lá do que tentar fazer uns e outros entenderem que o trabalho deveria ser só 33% da nossa vida - completos por mais 33% da família e mais 33% do nosso tempo pessoal pra hobbies, projetos secretos e uns minutos na banheira. Não sou eu quem vai ensinar pra ninguém que filhos criados por mães e pais presentes, que fizeram suas escolhas assim de bom grado, podem ser mais seguros, tranquilos e felizes.
Cada um acha como acha. E o que eu acho, hoje em dia, eu guardo bem longe das pastas de trabalho.
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
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12 comentários:
é isso aí!
É assim mesmo, Flávia... as pessoas imaginam que terão filhos e a vida não mudará nada por isso, afinal, é só deixar com a babá, ou no colégio interno que seja, quando já estão maiores, o importante é não deixar de fazer nada que queiram por causa deles. :-/
Ainda bem que há pais como vocês, que preferem uns trocos a menos mas um tempo precioso a mais com as suas bonitas.
Sorte delas! ;-)
Assino embaixo!
e a dificuldade de arranjar trabalho sendo mãe?passei por isso e sei como éd uro ouvir que vc não dará conta por causa da criança,humpft!
bjs nas lindas meninas que inspiram textos maravilhosos como este e na mãe delas,geralmente esquecida.
E ouvir que não vai dar conta de um homem que não consegue respirar e piscar ao mesmo tempo?
Minha amiga sempre me questiona como eu consigo ir às reuniões da escola, e eu respondo: indo. O detalhe é que o ano escolar passado passou e ela nem conheceu a professora da filha...
Per te Mamma Flávia: http://italiasempre.com/verpor/unbenegrande2.htm
Muito bom! Acho realmente que não vale a pena todo esse desgaste se explicando - também odeio e prefiro encurtar o assunto quando sei que as pessoas não vão entender e ficar argumentando uns argumentos que pra você não fazem o menor sentido...
Esse texto devia ser repassado como treinamento pra empresas.
Eu diminui significativamente minha jornada de trabalho para poder ficar mais tempo com meu filho e percebo um tom de crítica das outras colegas de trabalho e já fui questionada várias vezes se vou continuar trabalhando pouco no ano que vem, o que eu vou fazer. Além disso, reparam direto que eu não pinto mais o cabelo. Eu já decidi que enquanto estiver amamentando, prefiro não usar nenhum produto forte, mas parece que isso incomoda demais as pessoas.
Assino embaixo do penultimo paragrafo. Mesmo ainda não tendo filhos são esses os conceitos que tenho pra passar.
bjo Flá.
Josys.
É um pouquinho de Brasil iaiá, como diria minha mãe... sério que vc lidava com esses machões brutos e vulgares no trabalho, Flávia? Tem gente que não merece mesmo uma resposta inteligente!
Esse mundo moderno, que quer que todas as mães achem normal ter o trabalho em 1º lugar, aff!
Você está certa em não dar explicações! Família é importante, sim! Emprego é importante para a gente sustentar a família e a nós próprias.
Pena que o mundo esquece que você tem a opção de querer educar suas filhas e recusar um trabalho por necessidade de suas pequenas; que você quer dividir seu tempo e ter tempo você mesma.
Que dizer? Brigada pelo apoio de sempre e alguém aí quer ser meu chefe? Ou sócio, pode ser também.
Beijos em todos! Meus e dessas meninas mimadas aqui. ;-]
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