Foi lá pelos 5 anos que eu me lembro de ver a Raquel pela primeira vez. Com certeza eu a vi antes, passeando na praça de carrinho pelas mãos das nossas mães, mas memória tem limite. Bom, eu conheci a Raquel assim, no bairro e desde sempre, e só lá pelos 15 anos vieram a Caren e a Fabiane. Vou contar: naqueles idos de 1990, éramos as quatro Cavaleiras do Apocalipse, dominando a cidade, zunindo pelas ruas, ganhando experiência. Só nas nossas mentes, claro.
Na realidade, nós éramos quatro exemplares da nerdice. A Raquel ainda era mais descolada, bonitona, altona, loirona como só as famosas eram (e aqui cabe a explicação que, no meu tempo, só havia o termo 'famosa', não 'popular', que só desembarcou no ABC Paulista com o advento do "Barrados no Baile"). A Caren também era loirona e altona, mas menos descolada, ligeiramente tímida, muito romântica e poética e musical desde o bercinho dela. Fabiane era nada loira e pouco alta, mas compensava numa personalidade que dominava a sala inteirinha em exatos 4 segundos. E eu era aquilo lá, uma coisa mei estranha que, sabe-se lá por que, agradava a bem pouca gente. Mas agradava minhas garotas. Era tudo o que me bastava.
Eu e as meninas vivíamos umas nas casas das outras. Literalmente. Eram fins de semana e mais fins de semana que eu ficava sem ver sequer a fuça dos meus pais porque me bandeava pras bicamas e colchões extras da Rá, da Cá e da Fabi. Elas também lá em casa. Meus pais, seguramente, já faziam compra de mês pensando em alimentar mais três bocas em fase de crescimento.
Um crescimento que era mais físico que mental, eu diria. Olhando pras adolescentes de hoje, eu não vejo à mim e às minhas amigas. Nós queríamos ser safas, mas éramos, isso sim, umas bocós. De marca. De marca Pakalolo - mas só quando o dinheiro dava.
A gente fofocava interminavelmente sobre os meninos, sobre as chatinhas da escola, sobre bobagens da TV, escrevíamos cartas umas pras outras, guardávamos em caixas de sapato, traçávamos planos de conhecer a distante Europa, fofocávamos mais sobre os meninos. E endeusávamos nossas irmãs. Não que elas ou nós tivéssemos conhecimento disso, lógico, porque, 'no papel', todas odiávamos as nossas irmãs. Eram todas mais velhas. Credo.
A irmã da Raquel era a destemida, sempre a bordo de um Passat branco meio marretado mas muito interessante aos nossos olhos de gente que ia a pé. A irmã da Caren era a internacional, sabida, intercambista, nosso sonho de consumo em experiência de vida. A irmã da Fabi era a inteligente, uma crânio de dar raiva e ainda amiga de todo mundo que importava naquela cidade e na cidade vizinha (o A e o B do ABC). E a minha irmã era... bicho, em 1990, a minha irmã já era casada e tinha uma filha. Como competir com aquilo? Minha irmã, e as outras, eram gente grande. Não tinha pra nós.
Mesmo não admitindo, a gente tinha um olho na nossa vida colegial muito louca da pesada e outro olho naquelas garotas espertas e cheias das manhas - e das roupas bonitas. Sim, porque as irmãs mais velhas têm esse dom: elas têm as roupas da moda, elas ganham seu dinheiro, elas arranjam namorados que dirigem, elas berram com as nossas mães de um jeito que dá vergonha, mas que a gente adoraria ter coragem de berrar.
As nossas irmãs mais velhas achavam a gente bem pirralha, eu acho. Porque elas estavam ali, ganhando a vida ou prestando vestibular ou se formando ou conhecendo a Ásia, a Oceania e todo o exército amarelo e a gente estava... bom, sentadas na calçada bebendo (escondidas) batida de amendoim ou datilografando trabalho sobre embriologia. E a gente nem tinha internet pra perder horas online e fazer de conta que éramos bem lançadas!
Nossas irmãs nos ensinaram coisas que elas nem imaginam, eu tenho certeza que as meninas concordariam comigo. Elas abriram caminhos nunca dantes navegados pra gente poder ser um bando de folgadas que, aos 16, já saiam à noite usando shorts com meia-calça se achando gente. Não fossem elas brigarem por horários, por privacidade e pelo direito de usar gel com glitter e saia curta, a gente não teria tido qualquer chance.
Hoje eu vejo pouco a Caren e a Fabiane, infelizmente. E, pior ainda, não vejo mais a Raquel. As irmãs delas, então, eu vejo é nada - mas sei de notícias, sei que continuam rolos-compressores de sabedoria e mão-na-massa e que vivem felizes suas vidas de adultas. As adultas que sempre foram nas nossas mentes e que a gente nunca vai conseguir imitar por completo.
quarta-feira, 7 de março de 2012
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8 comentários:
Flá, adorei lembrar de todas essas coisas... realmente, nós éramos umas bocós!!! hahahaha e adorávamos quando o seu irmão liberava o quarto para a gente ficar ouvindo os "LPs"que ele tinha aos montes, rs. Saudades de vocês e especialmente da Raquel.
Que post lindo!!!
Amei a declaração de amor feita às suas amigas viu?
Que vocês consigam se reencontrar pra sentar na calçada pra tomar batida de amendoim e relembrar ao vivo dessa época de ouro.
Bjks
AMIGA QUERIDA DO MEU CORAÇÃO!!!! Chorar não pode porque a gente já não é mais pirralha, né?! Mas posso dizer que vc faz parte das minhas melhores recordações do passado e das minhas grandes saudades deste presente!
Te adoro de coração e ter minha história de vida contada com suas palavras é motivo de orgulho, emoção e muita alegria!!!!
Te adoro muito! Obrigada por este post, que é um presente pra lá de especial ;-)
Entendo o que vc quis dizer, apesar de eu ser o primogenito, sempre fui cercado de primos e primas mais velhos, trabalhadores, motoristas, vestibulandos, universitários, fazendo piadas que eu não entendia e usando palavras que eu não conhecia, cheios de problemas e soluções, metendo-se em pendengas de família, indo nas ruas tais e nos bairros quais pra fazer isso e aquilo... e eu, meus amigos e uns poucos primos contemporaneos de idade admirando todo aquele mundo sofisticado e difícil. Será que é assim que meu irmão me vê hoje? Esse texto me fez pensar.
Pode ter CERTEZA, Marcelo. Portanto, seja um bom/mau exemplo. Porque, né, se minha irmã fosse um doce sempre, eu não teria feito metade das barbaridades que fiz na vida. :-D
Fabi, eu *coração* pra sempre você. Pode tatuar no corpo. Nem importa se nos vemos uma vez ao ano ou menos.
Cá, sua memória deve estar ruim, meu irmão nunca liberou o quarto. A gente invadia, se apossava, usufruia tudo na miúda. hahaha! Saudades muitas da nossa Raquel também.
Flá, como é legal vir aqui e ler um texto seu como esse, adoro o jeito que você tem com as palavras.
Adoro esses textos. A nostalgia me contamina e eu fico viajando ao relembrar as minhas histórias também (e não sou a única!). Tô com a Paulinha aí de cima: tomara que vocês consigam se reencontrar pra tomar uma batida de amendoim na calçada, e quem sabe esse encontro não dá um outro post?
Que os céus leiam as palavras de vocês, meninas. Eu ia adorar estar de novo com as minhas garotas todas. E escrever mil posts sobre elas. Um dia conto como foi morar com a Caren, ser madrinha de casamento da Raquel e ver a Fabiane na Hebe. :-D
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