Não sei bem por que isso acontece - talvez uma boa fuga da rotina - mas eu tenho a mania (a dádiva? o desvio?) de me envolver doidamente com filmes e livros. Com os livros é pior até, por que os filmes acabam lá em duas horas e em mais duas eu já pensei muito sobre eles e é seguir vivendo. Mas os livros... Eles ficam a martelar na minha cabeça por dias, semanas, meses. Foi o caso da história impressa de Henrietta Lacks. Eu não esqueço mais da Henrietta, penso nela dia sim, dia não.
Quem me presenteou com "The Immortal Life of Henrietta Lacks" foi a minha querida Vivi. Na última visita dela em terras brasileiras, Vivi veio com um livro debaixo do braço, me entregou e disse: "foi o melhor livro que eu já li na vida". Ô, como eu desconfiei daquilo... Primeiro porque a Vivi é tão leitora que, cacete, como esse poderia ser, dentre centenas, o melhor que ela leu? Não sei se ela mantém a frase; eu mantenho. O melhor livro que já li.
Em primeiro lugar porque, até por ser jornalista, livros-reportagem são meus favoritos. Segundo porque, durante a leitura, a gente vai notando o nível de comprometimento de Rebecca Skloot, a autora. Ela tem esse nome meio assim, de monitora de acampamento do jardim da infância, mas ó: inacreditável a pesquisa, a dedicação, a perseverança de Rebecca ao contar a história de uma mulher negra, pobre, descendente de escravos, mãe, esposa e doadora involuntária das células que mudaram a minha e a sua vida.
Difícil explicar a situação toda que rendeu esse livro em algumas poucas linhas, em alguns poucos minutos. Para Rebecca Skloot, levou anos e anos e mais de 350 páginas. Eu vou tentar: Henrietta nasceu nos Estados Unidos, viveu com familiares em plantações trabalhando com tabaco e curtindo com os primos uma vidinha feliz. Ela casou com um desses primos, teve cinco filhos e, depois de sofrer penosa e horripilantemente com um câncer cervical, morreu em 1931 - por volta dos 30 anos. Atendida no hospital da famosa e hoje gabaritada Universidade Johns Hopkins, ela passou por tratamentos pra lá de dolorosos e, certa feita, teve amostras de tecido retiradas para pesquisa - num tempo em que (quando foi isso mesmo?) ninguém pedia pra um paciente pobre e negro a permissão dele ou da família para isso.
Bom, acontece que Henrietta, afinal, sucumbiu à doença. Mas as células retiradas do cérvix dela não. As células continuaram a se reproduzir mesmo depois de retiradas do corpo. Hoje sabe-se que isso não é feitiçaria e existem outras células, de outros pacientes, que têm o mesmo poder. Mas nenhuma como as de Henrietta, que carregam todas as características originais e, nas mãos de cientistas do mundo todo, resultaram em milhares de estudos decisivos para a medicina. Como uma coisinha tola aí chamada vacina contra poliomielite.
Acontece que a história toda parece assim uma coisa meio "pra doutor entender", mas não é. Em meio a todas as explicações técnicas, o que surge, isso sim, é a discussão sobre quem é dono do nosso corpo, os direitos e todos os meandros a respeito da ética na saúde e, além e acima de tudo isso, a família de Henrietta. O fato de eles terem sido excluídos da questão por anos, de jamais terem recebido um auxílio sequer vindo dos rendimentos da venda das células, de terem tido suas vidas reviradas, sacudidas e sovadas pela morte de uma mulher que carregava todos.
"A Vida Imortal de Henrietta Lacks", felizmente nas livrarias brasileiras há muitos meses, é imperdível. E impossível não se sentir parte da história e se fazer um milhão de questionamentos pessoais, sociais, psicossociais e sobre a nossa humanidade. É de dar uma porrada na nossa espinha e bagunçar qualquer certeza que a gente tenha? Sim. Por isso mesmo esse é um livro pra ser lido. E vivido, e recordado pra sempre.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
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3 comentários:
Ah os livros.. o que seria de mim sem eles? AMO LER! Vivo cada momento lido como se fosse uma coisa real e palpável. Me transporto totalmente pra dentro da história escrita, seja ela real ou ficção.
E Flávia, esse que vc citou deve ser demais. Vou dar uma pesquisadas nas Bibliotecas daqui pra ver se tem e dps te conto o que eu achei.
Vou procurar esse livro por aqui também!
É mesmo impressionante como esses livros entram na nossa cabeça e passam a fazer parte da vida da gente. Eu tenho a imaginação fértil e sou meio desligada, então vez ou outra conto pra alguém algum caso de livro como se fosse real, e só vou perceber o engano que fiz bem depois.
Quando li "o dia do curinga" fiquei louca depois com a tal da bebida púrpura, achando às vezes que ela era real. Até hoje, vira e mexe, eu penso "esse dia merecia uma bebida púrpura"...
Hahaha! Idem, Sara, fico na mesma pegada. E só falo na coisa, o pessoal em volta deve se encher bem logo.
E Paulinha, vai na fé, o livro é excepcional mesmo. Mas cuidado com o efeitos colaterais.
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