terça-feira, 19 de junho de 2012

Tudo em família

Família devia ser mais sobre papos no sofá, almoços na cozinha e chacrinha no quintal do que sobre quantos cômodos de fato existem naquela casa e 'quem é dono de qual'.

Família devia ser mais sobre festas de aniversário, festas de casamentos, festas de recasamento, festas de Natal, Hanukkah e de formatura da caçulinha no jardim da infância. Família devia ser mais sobre animação do que sobre o tédio de ver aquela mesma gente todo dia.

Família devia ser igualmente sobre o pai, o filho, a mãe, a filha, a tia, os primos e até os cunhados, que cunhado também é gente - e é família, querendo ou não.

Família devia ser mais, muito mais, sobre um sanduíche safado comido à meia-noite sobre a pia numa conversa alegre do que sobre jantares com sete pratos sobre os quais ninguém fala.

Família devia ser mais sobre 'fala na cara' e menos sobre 'você viu o que aquela zinha da mulher do primo do Rodolfo disse da Zoraide, a nora da minha prima?'. Porque em família de verdade isso aí nem importa. E quem é a Zoraide, avemaria... É família?

Porque família devia ser mais, inclusive, sobre gostos partilhados, receitas dividas, passeios que todos adorem, reuniões em torno de um pote de sorvete napolitano vagabundo - e que seja com a família escolhida, se for o caso, e não aquela imposta.

Família devia ser mais sobre vontade e menos sobre obrigação.

E devia ser menos sobre formalidade de tapetes imaculados num living room onde ninguém entra e mais sobre um arraiá montado fajutamente na sacada diminuta com toalha de chitão, barba de rolha queimada e uma jarrona de quentão.

Família devia ser mais sobre antigas fotos repassadas entre risadas. Mais sobre histórias absurdas que só uns poucos lembram (e o resto preferiu esquecer). Mais sobre um filme terrível revisto às gargalhas. Mais sobre tradições bestas passadas de geração para geração, que repete a besteira só porque 'a minha tia que ensinou, uai'.

E devia ser menos sobre a necessidade louca de ir nos eventos que não se quer ir, menos sobre cobranças do que não é pra se cobrar, menos sobre a retórica infinita da rotina sob o mesmo teto. Família não é isso. Isso é emprego.

Família devia ser mais sobre cuidar em conjunto de todas as crianças e de todos os velhinhos - sem tempo pra picuinha, faz favor, que as crianças percebem que são um empecilho e os velhinhos percebem que são um fardo. E nenhum membro de nenhum família devia se sentir assim.

Família devia ser mais sobre 'a união faz a força' - ou sobre 'a União faz açúcar e com ele a gente bate um bolinho, conversa e resolve tudo o que for preciso, sei lá.

Família devia ser menos sobre 'é assim que você deve fazer' e mais sobre 'como é que você prefere fazer, me diz que eu ajudo'.

Mas família também é como é, né. Nem mais, nem menos, só a família mesmo.