domingo, 14 de abril de 2013

A casa da árvore ponto com

No dia 11 de abril de 2003 eu sei exatamente o que eu estava fazendo. Eu estava ansiosa e eufórica, louca e alegre, apreensiva e motivada. Não, eu não tinha tomado uma carga extra de Fanta Uva, um vício daqueles tempos (que eu não pratico mais porque, bem, tenho medo de já estar roxa por dentro). Eu tinha embarcado, semanas antes, em um projeto todo novo, um site. Eu tinha, na verdade, embarcado, anos antes, em uma amizade.

Falemos primeiro da amizade. Ela foi forjada no fogo de um vulcão perdido no... mentira. Ela foi forjada no banco dianteiro de uma Ferrari 250 GT California... mentira. Ela foi forjada no banco traseiro de uma perua verde rumo a Walley World... mentira. Mentira, não. Tudo foi verdade: minha amizade com a Vivi e a Clarissa foi forjada em filmes que todas adorávamos, em músicas que todas cantávamos, em situações que todas passamos, em recordações de parentes, escolas, ruas, viagens, vacilos, acertos e no pudim que a gente dividia em todo jantar marcado no shopping. Do jantar - e das conversas - passamos ao site.

O site veio pra servir como um mural onde a gente pregava passado, presente e futuro. Era informal e irreverente nas palavras e temas, era a coisa mais profissional que eu já tinha feito na organização, no compromisso e no carinho. Por isso a gente escreveu e eles vieram. Vieram 30. Depois 80. Depois 200. Depois milhares. Cliques e mensagens de gente que morava daqui até o Japão, que tinha de 13 a 50 anos, que gostava de Fábio Jr. e de Iron Maiden.

Nós nos tornamos, pra muita gente, embaixadoras das coisas boas. De escrever bem, de ter boas memórias, de defender os absurdos, de resgatar a intimidade. E olha que a gente levou um ano pra dar nome completo e mostrar o rosto. Fôssemos só gente bem-lançada ou carinhas bonitas na internet... ninguém saberia.

Mas a gente sabia que fazia a coisa certa. Vivi era um poço profundo de bom gosto, elegância, delicadeza e ao mesmo tempo uma suburbana passa-mal que adquiriu um Snif-Snif porque ele era o mais feio da prateleira. Clá era um oásis de palhaçada virtual, uma desembestada que se pegava com ratos pela casa e ao mesmo tempo a melhor referência possível em literatura, música e arte de qualidade. Eu fiz o que pude pra acompanhar o ritmo. E tudo deu certo.

Deu certo a ideia de colocar pra fora nossas mais sinceras opiniões e recordações e a vontade máxima de fazer aquilo que nenhum emprego formal como redatoras rendia - escrever com liberdade. Deu certo ganhar um trocado primeiro com a revista Época, que nos contratou pra uma página fixa, depois com o portal IG, que apostou no nosso apelo. Deu certo, muito mais que tudo isso, trazer pra perto gente que procurava um canto seguro na internet pra fazer amizades com seus iguais. A gente era tudo diferente, mas tão iguais.

Foi a comunidade mais alternativa da qual eu pude participar. Eu, Clá e Vivi passamos por aqueles 2.470 textos juntas - com desentendimentos resolvidos em tempo recorde e sem rancores, sem cobranças e chatices, repartindo obrigações e contas com gentileza. E sobrevivemos também a dia de falta severa de dinheiro, a momentos duros e tristes, a novos rumos, à mudança de país, à chegada das crianças e partida de outros amores. Juntas e separadas, tivemos bem mais que nossos 15 minutos de fama.

Quando decidimos acabar, foi por isso também: porque o valor da amizade sempre precisaria ser maior que tudo - e era hora de acabar com tudo o mais. Por cima, felizes. Foi triste, mas foi bom. Eu ainda tenho dificuldade de dizer alto o nome Garotas que Dizem Ni. Mas a casa na árvore que montamos 10 anos atrás, na qual passou tanta gente e que serviu tão bem pra esse clube, fica pra sempre. Nelas e em mim.