segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Under pressure

Todo mundo que eu conheço é um pouco estressado. Um pouco ou muito. Relax mesmo, mesmo mesmo, só uns três ou quatro - e um deles eu diria que é mais pra morto-vivo, daí a pressão baixa. Porque a minha também é alta. Eu estou aí na seara dos estressados. Eu nem diria, vá, estressada: eu sou irritada, mandona, histérica, implacável, meio grossa, paranoica e muito, muito hipocondríaca. Eu acho que eu sou hipocondríaca por causa de todo o resto. E aí o ciclo é que eu fico nervosa, estresso e em seguida começo a sentir dores de cabeça, dores nas costas, uma pontada no pescoço, formigamento... é tumor cerebral, eu sei que é.

Foi o que eu disse pro doutor Thiago no PS quando ele me atendeu. Eu vinha de episódios de muita pressão alta - que ele minimizou dizendo que nem era tudo isso de alta e que essas medições de máquina de farmácia são tão precisas quanto os atacantes da seleção de futebol da Malásia. Ele me disse pra ir embora relaxar, comer menos sal, fazer exercícios pelamordedeus e, caso persistissem os sintomas, consultar um médico. Eu pensei que era isso que eu estava fazendo... Mas ok, o doutor Thiago tinha mesmo uns 14 anos, acho. Eu sempre acho que os médicos que não são grisalhos e não usam suspensórios e bengala são crianças e sabem nada. Desculpem, médicos.

Mas daí parece que não era um tumor cerebral mesmo (apesar de terem se recusado a fazer a tomografia). Parece que era estresse. Ainda é, porque o pescoço duro está aqui comigo. A moça do laboratório que colheu três tupperwares de sangue meu hoje mediu a pressão e disse 13 por 8. Disse que o que eu tenho deve ser "pressão alta causada por jaleco branco", dado meu nervoso com doutores. Como ela usava cinza e ficou me falando sobre a árvore que caiu ontem com a chuva, hoje a pressão está boa. Boa, não ótima. Eu quero estar sempre ótima, não boa.

Em minha defesa eu quero explicar: eu tenho medo de morrer. Até o dia 29 de janeiro de 2005, eu tinha ZERO medo de morrer. Zero mesmo. Era capaz de planejar os quitutes do meu funeral e decidir sobre o lançamento das cinzas sem piscar ou derramar uma lágrima. No dia 30 a Sabrina nasceu e eu passei a ter muito medo de deixar a coisa mais preciosa do mundo sem eira nem beira. E isso ficou latente até 19 de setembro de 2010, quando então nasceu a Olívia e o medo de morrer virou pânico profundo, um abismo negro e cheio de limo de tormenta e desespero. Freud explica?

Bom, se ele não explica, eu sim. Ficou tudo tão deliciosamente legal e perfeito que eu não quero mais não ter isso. Eu amo o Dono da Casa com todos os meus órgãos vitais e essas duas meninas me completam. Quem abriria mão disso impunemente? E quem não teria medo do tumor cerebral? Quem, quem??

Além disso, eu sonho com muitas coisas. Os lugares que eu quero ir, por exemplo. E se eu morrer sem ver Praga, Viena, Budapeste e Moscou? E se eu perder a chance de molhar os pés nas praias do Cabo San Lucas ou jamais ver as cerejeiras em flor no Japão? Eu ainda quero tanto... Quero tanto ver a África, a Oceania, seis territórios na Ásia e todo o exército amarelo... E se?

O diabo de tudo isso é conseguir respirar fundo (sem sentir uma pontada no peito e achar que é ataque... ok, eu paro). E depois perceber que esse é um comportamento muito ridículo e inútil e sair do ciclo de cabecear toxinas do mal para o meu próprio sangue. É parar, raciocinar e deixar de pensar porcaria. E seguir com o jogo.

Um jogo que fica estacionado por semanas quando eu entro nessas. Não fui almoçar com o Tércio pra comemorar o aniversário dele. Não mandei aquele email de trabalho que vai resultar num projeto bacanudo. Não fui visitar o meu irmão. Não ajudei minha irmã com a louça de domingo. Não terminei minhas obrigações (nem as chatas nem as legais). Disse muito não e bem pouco sim.

Peço desculpas a todos os envolvidos. Até pra minha acupunturista e pajé Stella - por ser um monolito difícil de trabalhar e por não conseguir soltar a cabeça. Eu não solto a cabeça nas mãos dela por nada no mundo, não sei por que. Acho que eu não solto a cabeça e fim. Mas não gosto e quero mudar. Eu quero soltar a cabeça. Soltar a cabeça, deixar a pia suja e a máquina de lavar lotada, os sapatos espalhados.

Eu quero ser menos ágil ao volante e menos católica com horários marcados (afinal, eu sempre acabo esperando todo mundo por 20 minutos mesmo). Eu quero respirar até dar aquela vertigenzinha sem achar que isso é câncer de pulmão! Eu quero só menos estresse. Pra mim e pra todos nós.

Eu podia ir de Queen, mas eu vou de Frankie

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Mas eu não entendo

Ah, bom, tem só umas 897 mil coisas que eu não entendo sobre a humanidade. Que alguém passe fome, por exemplo. Que crianças sejam obrigadas a sofrer com a guerra. E que, diabos, alguém que usa calça saruel se ache com razão pra criticar o meu crocs. Mas, dentre as coisas que eu não entendo, discutamos só duas hoje:

- Homem após homem, mulher após mulher
Não é sobre a insensata divisão heteros e homos. Bom, até é, que os heteros têm umas ideias... O que eu não entendo é, ainda hoje, o Dono da Casa ouvir algo como "vocês vão ter um terceiro filho? Cê não gostaria de tentar um menino?". Deixa ver: o pessoal acha que homem quer ter filho homem pra ter onde depositar a perpetuação de sua espécie, é isso? E que as mães querem ter meninas pra poder repassar toda sua feminilidade pra outra geração? Que coisa mais esquisita. Eu não sei por que o Dono da Casa sequer viria a cogitar isso. Vieram duas meninas pra nós - e, depois disso, ele é comemorado, endeusado, acarinhado e abalroado e agarrado todos os dias assim que põe o primeiro pé em casa. Por duas meninas que simplesmente o adoram e topam todas as paradas dele (como jogar bola, jogar freesbee, caçar tatu-bola, pegar fruta no pé ou qualquer barbaridade).  Quem disse que um moleque faria melhor ou mesmo diferente? Coisa mais ininteligível.

- Essa coisa de pirar com namoricos e a posse
Se tiver uma explicação científica, é essa que eu quero. Porque a do "mas eu aaaaamo ele(a)" não reconheço. Eu sei que é difícil só gostar de quem gosta da gente. Eu sei que tem gente sensacional demais pra não ser amada e desejada. Mas daí a pessoa não quer nossa companhia, não aceita nossos gracejos e abraços e beijinhos e carinho sem ter fim, e não quer  passear de mãos dadas com a gente e fica brava quando descobre que a gente fuçou no celular dela e que ligou pra ela e desligou aquelas 87 vezes no fim de semana e não achou graça de nos achar escondidos debaixo de sua cama e... acabou, né? Segue o jogo, por favor. Bota a pessoa no arquivo da mente e começa a olhar em volta, porque provavelmente está-se deixando passar muita gente boa. E chorar no cantinho é válido por algumas semanas ou até uns meses. Depois para, que isso vai ser tão válido e eficiente na sua vida quanto o uso de aparelhos de ginástica da Polishop.

E se você não me entender, eu tento explicar de novo. O que nunca se explica.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

O bonde das tigronas

Quando a Sabrina nasceu, eu admito que mudei bem pouco a minha vida. Eu já trabalhava em casa e assim continuei; eu nunca fui mesmo de balada forte regada a coisa que parece produto pra limpar janela e segui me satisfazendo com a pizza da sexta à noite; eu e o Dono da Casa gostávamos bem de viajar - e foi fácil botar a criança na mochila e girar o mundo do mesmo jeito. Nessa última questão, eu admito que virei alvo da patrulha: metade achava um absurdo viajar com criança pequena, metade achava que a gente até podia ir, mas que devia ficar aqui pertinho, ir comer uma lula frita no Embaré já era lucro e tals... Olha, talvez a coisa que eu tenha menos mudado com o nascimento da Sabrina foi que continuei dando picas pra opinião dos outros.

Achava absolutamente ridículo imaginar viajar sem a minha criança. Achava estúpido quando me diziam que já estava bom ter cuidado dela por um ano e meio até mandar na escola e devia voltar a trabalhar fora. Achava uma cretinice aquela coisa que outras mães diziam sobre "precisar de um tempo só com o marido". Hoje eu acho que cada um pensa o que quiser - e mudei só alguns pontinhos.

Bom, ainda acho incrivelmente estranho não estar perto da Sabrina e da Olívia, que chegou pra botar mais malas no bagageiro do avião e afazeres na "to-do-list" diária. Mas confesso que canso mais rápido e às vezes peço arrego. Sou eu quem faz a comida, dá a comida, dá comida no sentido de bronca mesmo. Sou eu quem levo, busco e canto junto no caminho. Sou eu quem veste, banha, acarinha, ajuda na lição, discute sobre a moral de "Esqueceram de Mim" no que concerne à atuação da família na formação de caráter. Sou eu quem está pro que der e vier - contando só com a ajuda providencial do Dono da Casa, mais ninguém. Estar sem crianças por perto é esquisito.

Mas, depois de 7 anos amando essa dinâmica, esse ano eu descobri a beleza de passar cinco dias longe de tudo isso. Ganhei de presente do Dono da Casa uma passagem para encontrar minha amada amiga no estrangeiro - e passei quase uma semana batendo perna e papo. Foi uma DOIDEIRA.

Nos dois primeiros dias eu, por várias vezes, batia a mão nas cadeiras procurando chaves, carteira ou sacolas imaginárias - pra depois sacar que eu não tinha esquecido nada disso, eu tinha é crianças a menos pra cuidar. No almoço ou jantar, era o sentimento mais maluco não precisar levar ninguém ao banheiro ou fazer colheradas de comida ou desenhar no jogo americano. Éramos só eu, minha amiga, os quitutes e quantos minutos eu quisesse apreciando o cheiro do café.

Isso foi de uma importância pra minha organização mental difícil de descrever. Mas eu tento: eu estava ficando louca e esgotada e os dias de folga vieram a permitir que eu não me jogasse da janela ou mordesse um transeunte na rua. Eu curti sem culpa alguma e voltei nova pra ser uma mãe melhor.

Quando outros caras casados souberam do que o Dono da Casa me proporcionou com seu plano de milhas aéreas, acho que ele quase virou alvo de atentado. De novo, metade achou que a gente estivesse se separando e a outra metade achou que ele fez isso pra compensar alguma bela merda que tinha feito comigo. Não foi. Ele fez por amor. E eu aceitei por amor também.

O caso é que, deixar um pouco esse palco e ir ali ser só eu mesma, não a mãe, a jornalista, a motorista, a cozinheira, a equilibrista e a mulher barbada do circo (quem tem tempo pra estética?), foi bom pra todos nós. Em muitas casas as coisas são até divididas mais igualmente, com pais e mães meiando as tarefas, mas sendo eu quem fica mais em casa, natural que me sobrem mais atividades. Assim, eu estar na total posse das minhas faculdades mentais é importante pra todos aqui. Como muitas mamães precisam. "Happy wife, happy life", é o que seu sempre digo...

Algumas amigas quiseram saber como foi isso e se "Dono da Casa deu conta". Ele deu conta - ele é um adulto saudável e inteligente, com dois braços e duas pernas e amado pelas filhas, como poderia dar alguma coisa errada? Elas queriam é saber mesmo, eu acho, se funcionaria pra elas. E se a vontade e a coragem vierem, eu sugiro que todas tentem. Eu acho até que as agências de turismo estão perdendo tempo ao não criar um produto específico para mães. Pode chamar até "Mães em Férias da Porra da Rotina".

Podiam criar esse pacote de cinco dias em cidades encantadoras, cheias de museus e restaurantes onde a gente come o que quiser e não o que precisa dividir com os filhos, e curte umas profundas respiradas e um tempo pra ler no parque ou uma noite toda dormindo em "X" na cama do hotel glamouroso. Ou que seja numa barraca no mato, nem importa.

O que importa mesmo é entender que, sim, as pessoas que são as maiores responsáveis pela logística da família merecem e precisam de um tempo de vez em quando. Precisam recuperar um tempo pra si - pra pensar, pra  refletir, pra fazer nada ou só pra tomar um banho completo sem gente invadindo o banheiro berrando "manhêêê, cadê o meu coisinho?".

Eu fui, vi e fiquei bem, assim como todo o meu pessoal. Quem quiser entrar nesse bonde tem o meu apoio e o meu apreço. É uma mudança valorosa para um dia a dia alegre, mas complexo, e uma boa chance de ignorar o que todo mundo acha e ir ficar contente e dominar a própria vida por uns poucos dias. Na volta, contem-me tudo!


Mamãe vai ali e já vem