terça-feira, 20 de dezembro de 2011

2012/SS

Eu adoro listas de resoluções de fim/começo de ano. Primeiro porque elas são igualmente otimistas e mentirosas - e eu acho hilário prometer perder aqueles sete quilos extras quando, já na virada, estamos lá chafurdando num perfil gostoso. Depois, porque listas são um tratado com a gente mesmo; e tem coisa mais humana e mais bonita que resolver coisas com a gente mesmo?

Não interessa que a resolução seja fogo de palha e passe 365 engavetada. Interessa é resolver, porque pelo menos aquilo vai ficar latejando na cabeça e, ué, vai que acontece?! Não por obra divina, mas por nossa obra mesmo. De tanto mentalizar, a gente acaba se convencendo a fazer. Meio "O Segredo" isso? Não sei, não li "O Segredo"... Olha minha primeira resolução para 2012 aí! 1) Ler livros que se tornaram best-seller mesmo tendo um tema absurdo e que eu avacalho sem ter lido, assim posso falar (mal) com sapiência.

Uma boa resolução de ano novo, porém, na minha opinião, tem nada a ver com essas bobeiras estéticas. Perder aqueles sete quilos mencionados no início? Só se for pela saúde, hein, não pra caber numa calça jeans 38. Até porque, as calças jeans 40, 42, 44 e 46 estão aí pra isso. Emagrecer, melhorar o guarda-roupa, tirar aquela pinta suspeita, passar mais vezes na academia que na padaria - tudo isso só vale se for pelo puro prazer de envergar uma carcaça mais produtiva. Funilaria e pintura sim; SÓ funilaria e pintura não, ok? E aí vem mais uma pra mim: 2) Algum esporte, mulher, qualquer esporte! Vamos, se mexe, acha um jeito e acha um tempo! O estúdio de pilates fica a exatos 35 metros daqui, fazfavor?!

Resolução de ano novo que começa errada por definição também não presta. Não me venha com essa coisa de trocar de carro; venha-me com trocar o carro pela bicicleta, pelo metrô, por patins roxos com cadarços amarelos! Se é pra resolver mudar, muda com gosto. Nada de redecorar a casa e pintar a parede "pérola" com tinta "palha", tá? Esqueçamos que o Brasil é esse reino do "verde, amarelo, azul e bege" na hora de decorar: vamos direto aos vermelhões, ao ocre estiloso, ao azul-caribe e ao roxo-berinjela. 2012 tem que ser mais ousado. Pronta pra determinar aqui a número 3. 3) Dar fim à lista de pendências desse apartamento e fazer sumir aquele banheiro mofado, escuro e relaxado que parece a toca de um roedor. Olááá banheiro que dá gosto!

E sim, eu acho boas essas coisas todas estruturais e práticas, mas cadê sonho, né? Carro, casa, carcaça... Tudo lindo, mas onde ficam nossos anseios, nossos desejos mais sentimentais? Anote, sim: 4) Caribe; 5) EuroDisney; 6) Barcelona; 7) Washington com Boston com Chicago com uma paradinha em Nova York e quiçá uma espiadela ali em Nantucket. Lista de resolução que não inclua uma ou mais viagens deve ser sumariamente inflamada com querosene.

A lista boa, só pra ficar claro, também deve incluir namorados, casamentos, descasamentos, bebês, adoção de bichos (e de bebês, por que não?), reconciliações, pedidos de desculpas por carta, fone ou video, jantares à meia-luz, atividades em grupo, atividades em solitário e toda sorte de barbaridades que a gente achar que vai melhorar nosso astral.

Falei em astral? Bom. Minha oitava resolução tem a ver com ele. 8) SS. Sem Surtar. Neste ano que entra eu tenho a árdua tarefa interna de fazer minha vida sem surtar. Parar com os chiliques por falta de dinheiro e ir ganhá-lo. Deixar de dar pipocos quando alguém fica doente achando que estamos todos condenados à morte (quer dizer, a gente está condenado à morte por definição, mas não precisa ser hoje e devido a um vírus letal desconhecido comedor de carne). Acabar com esses ataques de choro por motivo torpe e com as sapateadas por mazelas nem mesmo comprovadas. SS.

Se em 2012 eu surtar 10% menos, tá valendo. 20%, vai. Lista tem que ser aposta alta. Nada de prometer subir de estagiário pra junior. Mira logo na diretoria! E se acontecer uma gerência, ó que delícia?! Acho que chutar alto e se satisfazer com um pouco a menos é sensato. Arriscar pouquinho e se espantar com o extradiordinário acontece muito menos - porque nós somos humanos e preguiçosos. Deseje muito, queira bastante, curta o qualquer coisa que for conseguido!

2012 vem aí e eu resolvo abraçá-lo de corpo, alma e malas prontas. Você também?

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Um muro de enorme distância

Outro dia uma conhecida convidou para visitar a casa dela. Lindo prédio, maravilhoso apartamento, daqueles com mil cômodos, salões coletivos de tudo quanto é coisa, quadras, piscinas, pistas de caminhada... devia ter até um portal mágico pro paraíso, mas esse eu não vi. Lá pelo meio do já manjado "tour-pela-casa-nova-não-repara-a-bagunça", a moça me diz assim: "é uma delícia aqui. São dois por andar, mas as entradas são independentes e eu nem vejo quem mora ali ao lado".

Ela não disse por mal, claro. É uma ótima pessoa, muito gentil e generosa. Ela só quis dizer que a privacidade do lugar era mesmo um espetáculo. Eu até aceito que muito adorem isso, essa separação de entradas, paredes desconectadas, muros altos e a chance de jamais saber que cara tem o vizinho. Aceito, mas não entendo bem.

Pra maioria de nós, o vizinho é o humano não-família mais próximo que existe. O núcleo familiar de fato fica ali, dentro da residência, mas o restante dos parentes mora em outras ruas, bairros, cidades e até estados e países. Eu, por exemplo, estou a 33km em linha reta ou 1h20 de tráfego intenso da casa da minha mãe. Se me faltar um ovo pro bolo já batido ou se me dá um troço nas costas, adianta nada ligar lá pra santa mãe, viu... Até ela checar, o bolo já desandou e o travamento ortopédico pode me deixar pra sempre com a postura do Quasímodo.

A pessoa mais próxima, aqui ao lado, é o Marcelo. Marcelo é meu vizinho de porta, é artista famoso, toca muitos instrumentos e reclama bastante das portas que o povo do prédio deixam abertas. Marcelo também viaja muito se apresentando, então não contamos um com o outro pra coisas práticas. Mas sempre batemos um papo sobre música, sobre o Rio de Janeiro, sobre o calor/frio horrendo que vem fazendo.

Saber que cara o Marcelo tem, como o cabelo dele fica zoneado de manhã (ó, eu só sei porque às vezes nos vemos quando eu vou tirar o lixo, hein?!) ou o que ele acha das UPPs não compromete em nada a minha privacidade. Eu sei algo dele, ele sabe algo de mim e, precisando, temos os telefones um do outro - pra caso de "Flávia, seu apartamento virou uma bola de fogo!", quem sabe.

Além do Marcelo tem a Dona Lucy, que mora aqui abaixo e já recebeu muita encomenda pra mim (e eu pra ela). Tem a Flávia, que divide o apê com a Juliana, e são duas meninas fofas e que recebem amigos bonzinhos que não fazem farra. Tem a Isabel, seu marido e seus três cãezinhos no térreo, vizinha de porta com a Rosinha e o Jefferson, dois figuras de marca que às vezes queimam o almoço de domingo por estarem ligados no futebol.

Eu sei algo dos meus vizinhos, de seus hábitos, de seus gostos e suas vidas no geral. Não precisamos ver uns aos outros de pijama - mas já até aconteceu. Não é questão de um se meter na vida do outro ou invadir espaço, mas somos uma coletividade, não tem como negar.

Eu sei qual TV a cabo eles assinam, qual banco utilizam e onde compram roupas - tudo pela mesa de correspondência. Sei algumas músicas que escutam, sei uns paus que rolam quando brigam, sei que carro dirigem (e como estacionam mal na garagem, putz...). Saber tudo isso, saber os rostos deles e estar aqui caso dê uma grande merda faz parte de sermos uma comunidade. Eu acho bom isso.

Antigamente algumas pessoas viviam em vilas e partilhavam tanto xícaras de açúcar quanto a hora de olhar as crianças brincando na rua. Todo mundo estava ali pra todo mundo, as casas mantinham portas abertas e janelas boas pra apoiar o cotovelo e trocar uma ideia. Hoje quase não se trocam mais ideias. E se o vizinho de condomínio toca a campainha pra pedir um sonrisal, já é motivo pra pânico.

Uma besteira isso. Nós, pessoas, dependemos umas das outras. E se existem pessoas que podem acompanhar nossa rotina de perto nas horas boas e ruins - e ainda regar nossas plantas e evitar que elas virem pó seco -, são os vizinhos. Quando dá um xabu federal, por exemplo, é importante a gente saber quem mora ao lado. Por exemplo: há um ano aquele rapaz que está com prisão decretada por ser suspeito principal de mandar matar a ex-namorada, a advogada Mércia Nakashima, está foragido. Foragido onde, eu me pergunto. Em Atlântida?

Onde quer que esse sujeito esteja, ele tem vizinhos. Ele precisa receber comida, roupas, ajuda. Alguém poderia olhar pra casa ao lado e notar o homem, por favor?

Meninos e meninas são sequestrados e passam ANOS na casa ao lado - e quando a polícia finalmente se toca, os vizinhos vêm com aquele "nossa, eu nunca reparei". Não se trata, de novo, de bisbilhotice. Se trata de interesse pelo outro e por nós mesmos.

Custa nada, quando chega um vizinho novo, ir lá levar um bolinho, uma violeta. É o convite pra uma relação ótima, seja o vizinho aqueles que flutuam pela casa quietos como a brisa, seja o vizinho baterista do Korn. Formar uma boa relação, próxima e sadia, é bom até pra isso: pra ter a liberdade de ligar lá em cima um dia e dizer "Temístocles, abaixa essa merda de rádio que eu não aguento mais a Ivete Sangalo cantando dentro em minha mente? Brigada, lindo, te adoro!".

A palavra vizinho vem do latim vicinus e quer dizer "que vive perto" ou "próximo". Eu sou a favor de sempre conhecer o próximo.

Tem gente que era fã de Friends, mas não reconhece
a fuça do próprio vizinho