quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Dessas decisões

O que eu resolvi, grávida de cinco meses da Sabrina, foi deixar de trabalhar em redações. Decidi que a cadeira ruim já fazia doer demais as costas, que era fisicamente sofrido ficar em fechamentos até 23h ou mais, que aturar certas explorações por aquele dinheiro não compensava e que não queria mais passar perigos em trânsito da madrugada. Peguei o boné e fui ser freelancer - trabalhar por empreitada e, na soma, amealhar um salário fazendo minha própria agenda. Deu certo. Bom, acho que deu certo.

Essas decisões não são fáceis de tomar, mas vez por outra aparecem na vida de uma moça que quer também ser mamãe. "Casar ou comprar uma bicicleta", o cacete: garotas sempre vão preferir casar e depois comprar casa, carro, berço E a bicicleta. Bicicleta da Barbie, de preferência. Quase todas as moças, na verdade. As que não querer o combo marido/filhos estão dispensadas de certas encruzilhadas, as sortudas. As demais, bom, essas um dia vão se pegar pensando "não seria melhor mandar o chefe se foder e ir cuidar do meu ninho?".

Minha opção foi essa, mas não foi fácil como pensam. É, muita gente me questiona se isso dá certo e como dá certo. Não acreditam muito que seja possível cuidar da criançada e trabalhar em casa dispensando a ajuda de babás e empregadas e manter a sanidade e a conta bancária. Fácil, eu digo, não é. Tem dia que eu penso "graças aos céus pela existência da rede nas janelas, senão eu pulava...".

Mas na maioria deles, acho que fiz uma boa coisa. Não sei se conseguiria, até hoje, passados seis anos daquela decisão, sair de casa pra trabalhar às 8h e só voltar uma dúzia de horas depois, quiçá mais. Tudo bem, eu ganharia muita bufunfa extra. Porque quando perguntam "mas dá pra pagar as contas?", eu digo que dá. E só pra isso, viu? Pago as contas e sobra um trocado pro cinema e outro pra padoca. É assim que dá certo: sabe aquele seu salário X? Pois é: o meu deve ser metade de X. Talvez um terço de X. E se você for sênior na sua profissão, meu X deve parecer o PIB de um país africano perto do seu PIB sueco.

É verdade, porém, que minha conta é outra: eu pego o X e penso que X/2 não precisará pagar alguém pra cuidar das minhas filhas e da minha casa; e que X/4 não precisará pagar gasolina, estacionamento, almoço, roupas de trabalho, o trago da happy hour e a sessão do analista. Então o X é magro, mas de repente nem tão magro... só esbelto.

Mas é assim, uai, nem sempre se pode ter tudo. Quer dizer: eu acredito que se pode ter tudo, sim. Dá para ser mãe presente, dona de casa lustrosa, esposa alegrinha, profissional cheia da grana. Custa um bocado de horas, quase dá pane mental e surte uns efeitos colaterais, mas dá. O caso é se a gente QUER ser tudo isso.

Eu já decidi que fico feliz de conseguir ser marromêno na maioria dos quesitos. Foi a minha decisão: ser jornalista que ganha pouco, dona de casa que deixa uma louça ou outra pra amanhã, esposa que surta de vez em quando. E mãe pra toda hora. Sou eu que dou banho, coloco na cama, dou beijinho, conto história, danço de pijama na sala, faço a trancinha e a maquiagem de bruxa, enfio a comida na goela, explico, consolo, faço cócega, mando e desmando. Conheço cada muxoxo das minhas filhas, cada feição, cada mania.

Quando penso nisso, decido que a decisão foi a melhor. E claro que me pego duvidando também - e considerando se um dia vou ouvir um "te odeio", um "você não faz nada pra mim" ou um "não vejo a hora de sair dessa casa". Talvez aconteça, né. A gente nunca sabe. Mas a decisão foi minha e é reiterada todos os dias, até naqueles em que a conta bancária grita em vermelho e que dá vontade de fazer a mala e partir.

E se um dia te surgir essa encruzilhada pela frente, desejo uma boa decisão. Seja uma ou outra, que seja sua. E seja a certa.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

No pé da minha orelha, não!

Dentre todos os "eu nunca" que posso dizer sobre mim, jamais ter furado as orelhas parece ser o que mais espanta as pessoas. Ninguém se mexe muito com os meus "eu nunca usei chinelo de dedo" ou "eu nunca gostei do carnaval", mas todo mundo deixa o queixo despencar quando digo que nunca abri buraquinhos nos lóbulos auriculares. O que eu acho espantoso.

É que, num chute rápido, eu diria que 95% das mulheres brasileiras têm orelhas furadas. E, vai ver, um bom quinto dos homens também. Mas não eu. Quando pequena, meu pai vetou a carnificina: não deixou que furassem minhas orelhas porque achava que isso ia dar problema. E porque era "uma coisa meio indígena". (Nem perguntem, o meu pai é um homem... peculiar).

Bom, o fato é que eu cresci e também passei a repudiar um bocadinho essa prática. Não via MESMO vantagem em ir na farmácia levar um tiro de revólver tão perto da cabeça por vontade própria. Tinha medo da dor e, como minha vaidade sempre operou em níveis negativos, fui deixando assim. Minha irmã, também proibida na infância, sucumbiu aos brincos depois dos 18. Minha mãe, rebelada, passou por cima do cadáver do meu pai (moralmente) e apoiou. Eu fiquei no grupo de suporte técnico - já que a minha irmã desmaiou e a gente precisou abanar muito ela.

Daí, né, que a gente tem essa mania de passar os próprios conceitos (pra não dizer os preconceitos) aos filhos. Minhas meninas nem sabem o que é ter orelha furada. Só de pensar em entregar aquela carninha miúda e molinha nas mãos de um vândalo perfurador, me apavoro. Não deixei e vou relutar até que elas tenham idade pra optar com propriedade sobre isso. Lá pelos 35, tá bom?

Tenho medo que a coisa saia do controle e saia errada. Tenho medo de infecções, vermelhidão, pus, sangue, cirurgia de reconstrução. Tenho medo que elas comecem a aparecer em casa com verdadeiros candelabros dependurados nas orelhas. Enfim, não acho isso boa ideia. Só que muita gente estranha essa postura.

Mas eu me pergunto: então o normal é pegar um bebezico de nada e lhe meter rebites nas orelhas? Mesmo com a possibilidade de a peça ser arracada acidentalmente; ou de haver rejeição? Mães já vieram até me dar seus motivos: "mas se não fura, ficam perguntando se ela é menino!". Uau, que motivão, hein? No caso de termos um menino, então, melhor espirrar um pouco de cerveja nele, pro odor mostrar que é macho?

Podem dizer que é bonitinho, charmosinho, cute-cute e o escambau. Nas minhas orelhas e nas orelhinhas dos meus nenês, ninguém toca. Não tem ouro, prata, diamante ou adereço no mundo que me convença. As duas pequenas podem até trair o movimento depois, mas eu seguirei firme. "Eu nunca furarei as orelhas", digo com orgulho. Apesar de ainda me auto-chocar muito mais com "eu nunca gostei do carnaval"...


Não venham se pendurar em mim, ok?

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Não há nada como o tempo pra passar

Esse negócio de estar muito ocupado ganhou força de pandemia, não é, não? Sério, acho que vou checar junto à OMS. Parece que todo mundo está com "a gripe do Coelho Branco", aquele do País das Maravilhas que estava sempre atrasado, sempre correndo, sempre bufando e de olhos pregados em seu ridículo relógio.

Fico semanas e mais semanas sem falar com alguns amigos. Daí passo a mão no telefone ou acesso o e-mail pra conferir se, ué, estão vivos e operantes. A grande maioria não sumiu por motivo de viagem de férias ou problema no telefone. A grande maioria está ocupada DE-MAIS. Assim, em maiúsculas. E separando as sílabas para frisar bem.

O que será que deu em todos nós? Ficamos tão ocupados, ocupadíssimos, aimeudeus que ocupação! - e nem sabemos bem por que. Bom, eu não sei por que. Afinal, mesmo considerando o horário de verão, o dia tem o mesmo número de horas desde... bem, desde o Big Bang, acho.

E olha que a modernidade tentou nos ajudar. Ganhamos coisas eletro-eletrônicas para poupar tempo e encurtar distâncias. Não viajamos mais em lombo de burro, não lavamos fraldas à mão nem escrevemos cartas à caneta, selamos e colocamos na caixinha do correio. Nada disso. Devíamos ter tempo de sobra - mas só o que sobra é a carcaça cansada de todos nós no fim do dia.

O que será que nos ocupa tanto? Trabalho? Bom, meu avô Mário também tinha trabalho. Tinha uma porrada de trabalho. Saía de casa cedo todo dia, rejuntava casas e edifícios por umas oito horas e só voltava à noite (sem ter jogado nem 5 minutos de Paciência ou entrado uma vez sequer no Facebook). Ainda assim, ele tinha tempo de bater corda pra gente pular, de ir no bar beber uma pinguinha, de assistir o Roletrando e de ficar horas sentado no murinho do gás, só vendo a vizinhança passar.

Se não é trabalho, é a casa? Mas as casas de hoje não são de dar trabalho. A gente pode colocar roupa na máquina, meter sabão na caixinha, se aproveitar do poder O2-limpeza-pesada e deixar tudo lá, batendo e limpando. E antigamente, que o povo precisava sovar aquilo tudo no muque - lençóis inclusive, credo! - e botar pra quarar, e pendurar pra secar, e dobrar, e passar...? E eu nunca soube de uma dona dessas, das antigas, reclamando de estafa.

Temos aspiradores, temos microondas, temos carros, motos e metrô. Temos internet, temos telefone e temos celular que recebe e-mail enquanto avisa sobre os compromissos, paga as contas e mede a glicemia do dono (ok, isso ainda não temos, mas o Steve Jobs nunca dorme, então...). Ainda assim, deixamos de prestar atenção nos amigos, nos namorados e namoridos, nas crianças. Deixamos de almoçar e jantar com calma, deixamos de dormir pesado, deixamos de caminhar olhando o bairro. Se bobear, deixamos de ler a bula do remédio porque estamos com pressa demais pra reparar que, o-oh, aquela fórmula causa baixa na libido!

A gente não devia ficar assim, tão ocupado. Faz mal. Faz mal físico e psicológico. E, pior de tudo, faz mal por um motivo muito simples: o tempo não volta. E se a modernidade economizou tanto dele pra nós, ele não pode estar em falta. O mais provável é que esteja por aí, perdido em alguma tarefa inútil. Devíamos é nos ocupar de recuperá-lo.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Quem pensa nessas coisas?

Eu acho assim: se a gente precisa cavar um poço do fundo do mar até a camada pré-sal, melhor chamar alguém que conheça o lugar, que saiba qual broca usar, quantos marmanjos contratar e o que levar de lanche na empreitada - e se ele pedir milhões pra fazer o furo, que seja, ué. Mesma coisa com objetos de criança (trazendo agora a discussão pro meu pequeno mundo).

É que parece que só eu acho isso. Parece mesmo. E quando a empresa vai fazer roupa de criança, em vez de contratar um estilista que tenha filhos ou pelo menos já tenha visto e segurando um filhote de humano, contrata-se aquele que acha poliéster um tecido bom pra criança "porque é fácil de lavar". Mesmo que poliéster seja uma porcaria calorenta e empipocadora de corpinhos novatos.

Aí a gente tem filho e, né, precisa de roupa pro pequeno mamífero. Vamos na loja e ficamos ali, com cara de pastel, olhando pras peças de vestuário mais estúpidas já produzidas. Primeiro que os tamanhos começam em RN (recém-nascido) - mas bastaria sacar uma fita métrica para ver que o comprimento da roupa é 55 cm ou mais. Do pescoço ao pé. Vejam: do pescoço ao pé, um recém nascido normal tem cerca de 40 a 45 cm. Ou seja, vai sobrar um bom tanto de pano ali pra criança se emaranhar.

Não bastasse o comprimento apropriado só pra filho de jogador da NBA, tem a modelagem. Mas bebê lá precisa de modelagem? Bom, precisa, sim. Fazer um macacão em forma de pêra, por exemplo, não ajuda ninguém. Eles desenham a peça como se fossem bombachas. Fica aquele quilômetro vazio nas pernocas do petiz - muito propício pras tais pernocas se sacudirem e ficarem enroscadas, dobradas, doloridas.

E tem mais: tem marca que oferece luxo extra em termos de detalhes aplicados no tecido, manguinhas bordadas, ursinhos no punho, gola de babado. Sério: bebês não sabem nem o que é firmar um pescoço ereto, pra que precisariam de uma gola?? Tem macacão que, acreditam os fabricantes, ficam mais bonitinhos com os botões pra trás, não na frente. Delícia tentar fechar aquela porra às 4h da madruga, com os olhos querendo fechar e o bebê urrando, viu? Delícia mesmo.

O mesmo acontece com diversos outros produtos, não só com os de vestir. Existem fraldas que contam com 27 quilogramas de flocgel, mas têm um sistema de fechamento cuja fita adesiva serra a pele da criança; existem mamadeiras sem respiro, que fazem o bebê precisar da força de um aspirador de pó pra sugar algum leite; existem chupetas sem recuo na posição do nariz, que devem pretender sufocar toda criancinha que ousar mastigá-la.

E quem fabrica tudo isso não podia mesmo fazer uma pesquisinha com mães de verdade, quiçá contratar algumas delas, engenheiras e designers, para uma produção mais adequada? Se fosse pra furar um poço e achar petróleo, não chamariam especialistas? Os nossos filhotes merecem a mesma deferência, hein?


Oi, eu sou um macacão escroto com pernas de elefante e que fecha nas costas... Tente me abotoar pra ver o que é bom!