Se eu fosse espírita, já estaria acreditando que hoje em dia toda família é seguida por almas penadas zelosas que partilham o pão e cuidam dos seres humanos. Como eu não sou espírita, sei que aquelas moças vestidas de branco dos pés à cabeça não estão vagando a esmo em torno dos clãs familiares. Elas estão é bem vivas, cuidando das crianças não do além, mas além da conta. Muito além da conta.
Atualmente parece que ter babá é tão comum e vital quanto ter carro e geladeira. Nem bem a moça de classe média alta engravida, já corre pedir indicações de uma mocinha pra chamar de sua (e vestir de branco). Tudo bem, é verdade que a maioria das mulheres hoje trabalha - e muito - e nem todas querem colocar os bebês na escolinha já aos 5 meses. Elas preferem, assim, contratar ajuda. E a ajuda regular é compreensível. Mas e a ajuda ostensiva?
Pra mim é absurdamente comum sair no fim de semana pra almoçar fora e notar a configuração "pai, mãe, criança, babá" nas mesas vizinhas. Vejam: babá em dia de semana, cuidando para que a criança esteja alimentada, limpinha, cuidada e entretida, natural; babá que precisa estar presente sábado e domingo, dentro e fora de casa, em todas as horas, é bizarro.
Muita gente parece ter terceirizado o trabalho de ser pai e mãe. Não querem (não sabem?) cuidar dos filhos por conta própria. Alguns parecem inclusive ter paúra da própria prole - enquanto a mulher de branco, por outro lado, parece dominar a situação facinho. As pessoas têm os filhos, mas talvez achem um saco estar presente sempre, liderando como um bom guia prático, intelectual e psicológico. Deixam isso pra moça contratada. E vestida de branco, o que parece um traço herdado dos tempos de casa grande/senzala, uma necessidade de diferenciar papéis. "Ela cuida do moleque, mas a mãe sou eu, sociedade! É só notar a roupa branca dela, ok?".
Se isso já me incomoda normalmente, nas férias passou da conta. O casal surgiu circulando pelo hotel, seguido de perto por duas crianças bonitinhas. Ao lado das crianças bonitinhas, a babá. Pô, convocaram a pobre até nas férias? Exagero, hein? Era só fazer a conta: dois adultos, duas crianças, um cuida de cada e tá fechado. Mas não. Mais tarde, vi que também estava presentes avô e avó - já estamos em cinco adultos para só duas crianças, confere? Nem se fossem um Mussolini Jr. e uma Pequena Richthofen seria preciso tamanho séquito, eu acho. Mas a babá estava lá.
Além da situação idiota de a moça cuidar dos pequenos todo o tempo, do raiar do sol ao poente, em todas as refeições, brincadeiras e crises de choro e mimo, o detalhe chocante: a moça só entrava na piscina de maiô, short e camiseta. Short e camiseta. No calor de 35 graus. Sinhazinha, por certo, não achava correto a empregada circular somente com roupa de banho por aí.
Sei que não é da minha conta. Sei mesmo. Mas, ainda assim, não consigo deixar de me ressentir tanto pelos filhos, órfãos de pais vivos, quanto pelos pais. Queria saber se eles conhecem mesmo aquelas crianças, sabem seus livros prediletos, seus jogos favoritos, o que pensam dos colegas, de si mesmos, o que gostam de comer no café da manhã. Penso se têm noção do que estão perdendo entregando até mesmo o mais corriqueiro "operacional" para a moça de branco fazer. Não podem ser pais tempo integral nem aos sábados? Nem por uma hora de refeição? Nem nas férias? Ter filhos pra colocar no porta-retratos me parece uma grande perda, e pra vocês?
Não sendo espírita, eu acredito que a vida é uma só e deve ser muito bem aproveitada junto aos pequeninos - e que a mulher de branco não precisa ser essa entidade constante.