segunda-feira, 31 de outubro de 2011

E um feliz Dia dos Mortos, por que não?

Percebi que existe a corrente do "abaixo o Halloween, seus colonizados de merda!". Quanto ódio, credo. Acho que esse pessoal poderia ser menos raivoso e sombrio e se unir no espírito de brincar um dia que nasceu foi no México e seguiu aos países latinos pra celebrar os mortos - e só daí é que bateu lá nos EUA como o Dia das Bruxas.

O Dia dos Mortos, ouvi dizer, é divertidíssimo nos países latinos de colonização espanhola. Tem feiras e mais feiras vendendo toda sorte de barbaridades como crânios, fantasias, badulaques e muitos quitutes (latinidade, teu nome é "comida"). Como adoro manifestações populares, sempre tive um apreço pelo Dia dos Mortos e pelo seu parente imigrante, o Halloween.

Não me ofende em nada a palavra em inglês, até porque nosso Dia de Finados, em português, não serve como tradução nem paralelo, é outro caso. O Dia do Saci tentou emplacar, mas parece que o carisma do moleque ainda não pegou. Tomara que pegue. E, enquanto isso, eu vou ali deixar minhas filhas se fantasiarem e brincarem com maquiagem de zumbi e desenhar aranhas e fazer origamis de morcego pra pendurar na casa toda. Morcego frugívoro brasileiro, eu juro!

Perda de tempo esse anti-americanismo bobo de gente que também toma Coca-cola e quer arrotar Tubaína mas não consegue porque a carne é fraca. Vamos deixar as coisas divertidas da vida se ajeitarem como podem, ave... Aqui, fizemos uma adaptação: declinei solenemente o pedido da Sabrina pra sair fantasiada pelo prédio requisitando guloseimas; em vez disso, combinamos que seria muito mais legal fazer guloseimas e ir levar aos vizinhos por eles serem bem bacanas.

Passamos a tarde confeccionando bolinhos de lama (chocolate) cobertos com pus (beijinho) e com um twist de sangue coagulado (geléia de framboesa - e eu tive pra passar horas explicando o que é "coagulado"). Foi divertido e Sasá e os vizinhos amaram. A roupa preta vai hoje pra lavar e os morcegos de papel vão ficar pendurados até começarem a aparecer teias de aranha de verdade.

Qualquer desculpa pra curtir um dia diferente e desmistificar a morte e seus meandros fazem bem ao nosso dia a dia tão sério. Então feliz Dia das Bruxas, dos Mortos e de quem curte um dente de vampiro!

Happy... Dia do Saci, sei lá!

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Abre a porta e a janela

Minha relação com casas - não só a minha própria, mas todas as casas - é muito intensa. Eu sempre vou me lembrar de míseros detalhes de todas as casas em que eu morei. E boto reparo na casa alheia sim. Mas não, eu não noto as roupas jogadas no canto, as migalhas na mesa do café ou a louça suja na pia. Eu olho mais o todo. E não entendo a relação que algumas pessoas têm com as casas.

Acho que casas são substantivos concretos com uma alma dentro. Tem parede, porta e janela feitas de cimento, tijolos e madeira. Mas elas têm cada uma sua personalidade. Casa é que nem gente, só que melhor.

As casas ganham a nossa cara quando vamos morar nelas, mas também impõem a sua ordem. A gente pinta a casa de cor de rosa Barbie pra ficar uma casa assim bem menininha - e aí os anos passam, a tinta desbota e a casa da Barbie peituda, esguia e loirona vira uma casa de vovó doce que aprecia um tonzinho salmão.

Tanto é verdade que as casas têm alma que basta a gente entrar em uma pra sentir uma vibe. Às vezes boa, às vezes nem tanto... todas têm um ar diferente, um cheio nesse ar, um tipo de conforto ou desconforto a oferecer. Gente que procura casa pra comprar ou alugar vai concordar com isso: entra-se em uma e dá vontade de sair correndo; entra-se em outra e, pronto, dá aquela sensação de lar. Vai entender essas casas. (Mas eu acho que as de vibe ruim só não encontraram seu caminho ainda, elas vão melhorar...).

O que não dá mesmo mesmo pra entender é gente que não percebe nem respeita a alma de uma casa. Tem lá quem compre 500 delas e bote tudo pra alugar sem nem dar uma pinturinha ou arrumar o portão quebrado. E aí vai outro e, muito pior, mora na casa sem nem dar uma pinturinha ou arrumar o portão quebrado! Falta de respeito, credo. Alugada, própria, emprestada, possuída... a casa é nossa, temos que fazer o melhor por ela.

Quando compramos o apê que hoje é nossa casa, o apelidamos carinhosamente de "pedaço de Saigon" (ok, a alusão só vale pros nascidos antes de 1980 que entendem a metáfora vietnamita tão bem lembrada por Emilio Santiago). Era tudo uma lástima, com chão arranhado, conduítes estragados e ladrilhos se soltando como periguetes no Carnaval. Ainda assim, sentamos ali entre os tacos soltos, vimos a luz do sol vespertino entrar e nos apaixonamos. Eu me senti em casa desde o minuto #1.

Tinha alma, esse lugar. E me doeu bem pensar que os que moraram aqui antes não viram isso. Eu sei que eles não viram porque, no batente da porta do quarto havia um tremendo talho - produzido pelo homem pra passar um fio de TV a cabo. De verdade: quem abre uma cicatriz numa madeira de 60 anos de vida, num apartamento de 60 anos de vida, pra passar um fio? Que gente é essa que não sabe ter capricho e nem carinho pela alma da minha casa?

Eu ando pelo bairro e vejo casas e mais casas à venda e pra alugar. Todas com mato alto na entrada, todas com telhas soltas, todas tristes e sozinhas, passando frio e fome de vida interior. Eu olho pra elas e tenho certeza que queriam ter crianças em seus jardins, cachorros roendo seus móveis, adultos brindando as festas de fim de ano. Todas foram fixadas na faixa do milhão pra mais - e por mais que eu respeite o direito à propriedade, tenho um certo asco da especulação e como ela fere a alma de casas tão lindas deixando-as assim, largadas por não terem um dono que se importe.

As casas querem ser moradas. Querem ser recheadas de gente, de vozes, de decoração brega e bibelôs trazidos de viagem. Querem ter fotos espalhadas nelas e alguém que lhes dê um banho de verniz, um balde de água e um almoço de domingo. Querem ouvir nossas canções no rádio e no gogó, querem abrigar nossos dias bons e ruins e preservar nossos pertences bem no coração delas.

Porque toda casa precisa de carinho e afeto pra formar uma alma dela e nos ajudar a formar também a nossa.

Minha casa tem alma, e que bonita ela é

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Alô, fã do esporte!

Eu gosto muito, muito de esportes. De todos eles.

Eu curto muito ir a estádios de futebol, por exemplo. Porque, enquanto rola a bola, eu adoro esperar o tio do amendoim passar e comprar um punhadinho - e comer apertando a casca e soprando os excessos. Fico também no aguardo do tio do picolé. Todo mundo torce o nariz porque sempre tem só de uva, mas eu adoro.

Adoro vela também. A cultura da vela, mais precisamente - porque, convenhamos, assistir competição de vela só dá certo quando a gente está bem instalado no barco da juria. Das margens, vê-se nada. Mas é bom notar que é uma comunidade de gente interessante e amiga, sempre contando sobre os portos onde estiverem, as histórias mais empolgantes.

Acho uma delícia ver na TV os jogos olímpicos, panamericanos, de inverno e afins. É nessa hora que a gente se delicia fazendo chacota com as roupinhas da ginástica rítmica e da patinação no gelo; é quando a gente nota a funilaria imaculada do pessoal da natação; é quando a gente até acha basquete e vôlei esportes legais; é quando a gente torce por países com um humilde representante; é quando a gente descobre barbaridades como o curling - e se pega torcendo pros suíços, vê se pode.

Eu também paro pra ver esportes que nem são da minha área, como beisebol e futebol americano. Eu adoro ambos, de coração. Aqueles uniformes são demais, com as calças colantes e os capacetes cheios de marra no caso da NFL e aquele pijama maneiro no caso da MLB. E há que se respeitar esportes onde gente desengonçada, na casa dos 40 e acima do peso tem sua chance!

Tênis também prende minha atenção - já que é mesmo impossível ignorar os "uuu" e "ããã" que esses atletas de hoje cismam em gritar a cada bola devolvida. Seria como ignorar também os figurinos das irmãs Willians ou o tique-nervoso de Rafael Nadal (toda jogada precisa ser precedida por aquela ajeitada na cueca? Sério?).

Eu gosto de ver competições de carro também, porque é divertido acompanhar aquelas marcações todas na tela - e torcer loucamente pro pit-stop ficar abaixo dos 5 segundos. Bom, eu sei que é besta, mas a gente precisa vibrar com alguma coisa nesses dias automobilísticos..

Curto conferir o atletismo como um todo - e acho uma pena não passarem mais provas de arremesso de martelo etc., porque sempre há a chance de alguém acertar aquelas lanças num juiz e fazer história como homicida olímpico. Curto umas porradas bem dadas no judô, no taekwondo e similares. Curto até um bobsled, um esqui cross country e um show do ciclismo (porque, de novo, GRANDE chance de alguém sair voando pelos ares e a gente poder dizer que viu ao vivo).

Eu gosto muito, muito de esportes. Talvez não do modo convencional, mas gosto muito.

Tem como não gostar?

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Eu te reclamo

Eu reclamo do meu marido. Bastante.

Eu reclamo do meu marido de dia e de noite. Reclamo quando acordo de manhã tão cedo porque ele fez barulho e reclamo quando acordo de noite tão tarde porque ele fez barulho.

Eu reclamo do meu marido às segundas porque é segunda, às terças porque chegou muito tarde, às quartas porque viajou, às quintas porque é costume e às sextas porque demorou pra pedir a pizza.

Eu reclamo do meu marido nos fins de semana também, pricipalmente porque a casa tá bagunçada e porque as crianças estão descontroladas.

Eu reclamo do meu marido em português, inglês e francês - mas nessa última ele retruca e eu não entendo porque ele fala rápido.

Eu reclamo do meu marido em território nacional e no exterior. E já brigamos, pelas minhas contas, em quatro cidades da Europa, duas dos EUA e em algum lugar entre Lavras e Tiradentes.

Eu reclamo do meu marido na sala porque ele nunca senta pra conversar, na cozinha porque ele lava a louça devagar, no banheiro porque ele molha a pia e na sacada pra ver se os vizinhos escutam.

Eu reclamo do meu marido pras minhas amigas, pra minha mãe, pra minha prima e pra minha cunhada. E eu reclamaria pra minha sogra também, se eu não tivesse noção do perigo.

Eu reclamo do meu marido quando ele não está aqui pra me ajudar e falo tanta barbaridade que depois me sinto até culpada. Mas daí passa e eu reclamo dele de novo.

Eu reclamo do meu marido enquanto marido, enquanto pai, enquanto filho, enquanto espírito santo, amém. E ele não é nada santo (apesar do que diz a minha mãe).

Eu reclamo do meu marido aos berros, às lágrimas e às gargalhadas. Porque ele mexe com as minhas reclamações mais profundas.

Eu reclamo do meu marido em verso e em prosa - mas eu sou muito melhor na prosa, porque não acho boas rimas pra "ele nunca fecha a porta do guarda-roupas".

Eu reclamo do meu marido só por reclamar, mesmo quando ele não fez nada, por uma questão de treino.

Eu reclamo do meu marido há 10 anos e pretendo reclamar até eu fazer 90 anos ou ter um AVC de tanto reclamar, o que acontecer primeiro.

Eu reclamo do meu marido com jeitinho e às vezes ele nem percebe que eu tô reclamando.

Eu reclamo do meu marido em voz alta e dentro da minha mente - mas na minha mente eu sempre tenho razão.

Porque a verdade é que eu amo demais esse marido. E como ele faz aniversário hoje, meu presente será não reclamar dele por 24 horas inteiras. Começando daqui a pouco, assim que ele escutar umas boas.

Amo você, marido. Mas muito. E não tenho reclamação sobre você.

Parabéns, seu lindo

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Abuso profissional

O que eu sei é que acho um belo porre quando alguém me puxa pelo braço e começa com aquilo de "olha só, eu tenho uma matéria óóótima pra você fazer!". E registre-se que, em geral, a pessoa está indo me levar falar com o sobrinho dela que enfiou um feijão no nariz ou coisa que o valha.

Eu sei também que os médicos ficam bem putos quando, naquela festa de casamento ou na happy hour, a moçada acha um jeito de pedir pra ver "essa descamação estranha que eu tenho nas costas" ou "a minha garganta, ela tá muito vermelha?".

E eu nem sei quantos farmacêuticos já planejaram assassinar pessoas que, no momento de descontração, perguntam se eles não podem descolar umas caixinhas de Viagra ou do antibiótico do momento. "Pô, só umas de vitamina C então, vá?".

Também não culpo os arquitetos por emburrarem loucamente quando lhes pedem pra "rabiscar aqui no guardanapo um desenho pra sala de estar nova". Assim, desenho de graça, tipo autógrafo de cartunista.

E o que dizer dos fotógrafos, assolados por gente sem classe que convida pro aniversário do filho e, discretamente (not), pede com jeitinho "ô, leva aquela sua máquina boa, hein?".

Seria justo ainda que os dentistas não fossem obrigados a olhar obturações lascadas durante almoços informais com a família. Sei lá, eu acho meio nojento - e eles, por outros motivos, também devem achar.

Eu só fico imaginando ainda quanto constrangimento passam os artistas em geral - cantores, instrumentistas, desenhistas, designers, grafiteiros, tatuadores e outros - que precisam explicar pros colegas que eles não "quebram galhos", eles trabalham em troca de dinheiros justos como todo adulto economicamente ativo.

Acho que o povo, hoje em dia, só não quer tirar casquinha profissional de peritos criminais. O resto, tá abusado.