Quando eu era criança, apesar da timidez, sempre acabei me enturmando com um bom número de gente. Até entrava nos desafios da molecada da rua, o que acabou me rendendo um total avantajado de pontos espalhados pelo corpo. Destemida, tirei partidas de futebol e basquete com os meninos, corridas de patins e bicicleta com crianças maiores e até umas provas de resistência como "quem consegue comer um picolé em dois minutos". Era exporádico, é verdade. Mas acontecia. Era minha mente tentando superar o medo e a vergonha.
Em boa parte, até que superei. Adolescente, tinha umas ideias meio estúpidas de ir tomar suco no centro da cidade no sábado depois das 22h sem contar pros meus pais. Embarcava em qualquer viagem que me convidavam, fosse pra pegar ônibus, trem, táxi ou caminhar por 3 horas. Já mais velha, tive até um namorado ainda mais intrépido que fazia parte de um grupo que explorava cavernas.
E fui junto, me afundando no centro da Terra em meio a água, lama, frio, equipamento discutível, morcegos, peixes cegos e pedras temerariamente pontiagudas. Ali também desci rios usando bóias capengas e luxei tudo o que foi extremidade despencando de cachoeiras e escalando paredes. Usando umas cordinhas finas da porra!
Lembrando agora, é até difícil acreditar que fosse eu mesma fazendo aquilo. Hoje penso no dia em que o carro quebrou na estrada tarde da noite e eu ainda fiquei discutindo com um mecânico imundo e perneta sobre o preço do reparo. Eu não faço mais isso. Atualmente, vamos dizer assim... eu criei tenência.
Foi depois de formar família, eu acho. Pode parecer piegas, mas foi isso: ter marido, filhas e contas a pagar me fez um ser muito mais bunda-mole. O Dono da Casa viaja pelo menos duas vezes ao mês de avião - e eu já nem sei com quantos santos me peguei pra esse cara não terminar no fundo do Atlântico ou despedaçado numa selva. Saio pouco à noite, pensando muito em "não dar mole pro azar". Com a Sabrina no carro, dirijo feito uma idosa.
Fico preocupada em guiar mais rápido até mesmo sozinha - pensando "e se eu me acidento aqui, quem vai vestir o pijama certo nessas meninas??". E na hora de fazer comida... bom, a preferência vai pro que parece bom e saudável, assim eu posso tentar burlar umas doenças aqui e ali.
Não, eu não sou mais impávida. O tempo me fez mais contida e prudente, mais receosa e muito mais prevenida. Não quero passar por perrengues sérios e ficar longe dos meus queridos - apesar de, no fundo, saber que isso pode acontecer até quando tomo banho naquele box liso do inferno. Por outro lado, é muito, muito bom ter a lembrança dos "dias insanos". Mas que fiquem só na memória. Tudo tem sua hora, né? E por falar em hora, deixa eu ir ali checar se o Dono da Casa chegou bem ao destino. Bunda-mole que se preza sempre checa.