terça-feira, 2 de outubro de 2012

O bonde das tigronas

Quando a Sabrina nasceu, eu admito que mudei bem pouco a minha vida. Eu já trabalhava em casa e assim continuei; eu nunca fui mesmo de balada forte regada a coisa que parece produto pra limpar janela e segui me satisfazendo com a pizza da sexta à noite; eu e o Dono da Casa gostávamos bem de viajar - e foi fácil botar a criança na mochila e girar o mundo do mesmo jeito. Nessa última questão, eu admito que virei alvo da patrulha: metade achava um absurdo viajar com criança pequena, metade achava que a gente até podia ir, mas que devia ficar aqui pertinho, ir comer uma lula frita no Embaré já era lucro e tals... Olha, talvez a coisa que eu tenha menos mudado com o nascimento da Sabrina foi que continuei dando picas pra opinião dos outros.

Achava absolutamente ridículo imaginar viajar sem a minha criança. Achava estúpido quando me diziam que já estava bom ter cuidado dela por um ano e meio até mandar na escola e devia voltar a trabalhar fora. Achava uma cretinice aquela coisa que outras mães diziam sobre "precisar de um tempo só com o marido". Hoje eu acho que cada um pensa o que quiser - e mudei só alguns pontinhos.

Bom, ainda acho incrivelmente estranho não estar perto da Sabrina e da Olívia, que chegou pra botar mais malas no bagageiro do avião e afazeres na "to-do-list" diária. Mas confesso que canso mais rápido e às vezes peço arrego. Sou eu quem faz a comida, dá a comida, dá comida no sentido de bronca mesmo. Sou eu quem levo, busco e canto junto no caminho. Sou eu quem veste, banha, acarinha, ajuda na lição, discute sobre a moral de "Esqueceram de Mim" no que concerne à atuação da família na formação de caráter. Sou eu quem está pro que der e vier - contando só com a ajuda providencial do Dono da Casa, mais ninguém. Estar sem crianças por perto é esquisito.

Mas, depois de 7 anos amando essa dinâmica, esse ano eu descobri a beleza de passar cinco dias longe de tudo isso. Ganhei de presente do Dono da Casa uma passagem para encontrar minha amada amiga no estrangeiro - e passei quase uma semana batendo perna e papo. Foi uma DOIDEIRA.

Nos dois primeiros dias eu, por várias vezes, batia a mão nas cadeiras procurando chaves, carteira ou sacolas imaginárias - pra depois sacar que eu não tinha esquecido nada disso, eu tinha é crianças a menos pra cuidar. No almoço ou jantar, era o sentimento mais maluco não precisar levar ninguém ao banheiro ou fazer colheradas de comida ou desenhar no jogo americano. Éramos só eu, minha amiga, os quitutes e quantos minutos eu quisesse apreciando o cheiro do café.

Isso foi de uma importância pra minha organização mental difícil de descrever. Mas eu tento: eu estava ficando louca e esgotada e os dias de folga vieram a permitir que eu não me jogasse da janela ou mordesse um transeunte na rua. Eu curti sem culpa alguma e voltei nova pra ser uma mãe melhor.

Quando outros caras casados souberam do que o Dono da Casa me proporcionou com seu plano de milhas aéreas, acho que ele quase virou alvo de atentado. De novo, metade achou que a gente estivesse se separando e a outra metade achou que ele fez isso pra compensar alguma bela merda que tinha feito comigo. Não foi. Ele fez por amor. E eu aceitei por amor também.

O caso é que, deixar um pouco esse palco e ir ali ser só eu mesma, não a mãe, a jornalista, a motorista, a cozinheira, a equilibrista e a mulher barbada do circo (quem tem tempo pra estética?), foi bom pra todos nós. Em muitas casas as coisas são até divididas mais igualmente, com pais e mães meiando as tarefas, mas sendo eu quem fica mais em casa, natural que me sobrem mais atividades. Assim, eu estar na total posse das minhas faculdades mentais é importante pra todos aqui. Como muitas mamães precisam. "Happy wife, happy life", é o que seu sempre digo...

Algumas amigas quiseram saber como foi isso e se "Dono da Casa deu conta". Ele deu conta - ele é um adulto saudável e inteligente, com dois braços e duas pernas e amado pelas filhas, como poderia dar alguma coisa errada? Elas queriam é saber mesmo, eu acho, se funcionaria pra elas. E se a vontade e a coragem vierem, eu sugiro que todas tentem. Eu acho até que as agências de turismo estão perdendo tempo ao não criar um produto específico para mães. Pode chamar até "Mães em Férias da Porra da Rotina".

Podiam criar esse pacote de cinco dias em cidades encantadoras, cheias de museus e restaurantes onde a gente come o que quiser e não o que precisa dividir com os filhos, e curte umas profundas respiradas e um tempo pra ler no parque ou uma noite toda dormindo em "X" na cama do hotel glamouroso. Ou que seja numa barraca no mato, nem importa.

O que importa mesmo é entender que, sim, as pessoas que são as maiores responsáveis pela logística da família merecem e precisam de um tempo de vez em quando. Precisam recuperar um tempo pra si - pra pensar, pra  refletir, pra fazer nada ou só pra tomar um banho completo sem gente invadindo o banheiro berrando "manhêêê, cadê o meu coisinho?".

Eu fui, vi e fiquei bem, assim como todo o meu pessoal. Quem quiser entrar nesse bonde tem o meu apoio e o meu apreço. É uma mudança valorosa para um dia a dia alegre, mas complexo, e uma boa chance de ignorar o que todo mundo acha e ir ficar contente e dominar a própria vida por uns poucos dias. Na volta, contem-me tudo!


Mamãe vai ali e já vem


8 comentários:

EvaVenenosa disse...

Em pensar que esse seu dia histórico, da libertação, também foi o meu, da emoção de realizar um sonho. Já pesou o tanto de sentimentos que borbulhavam em nós naquele instante, naquela aeronave, rumo ao nosso destino lindo? Isso é muito lindo mesmo e agora eu sou mais feliz por saber que além de importante pra mim, aquele momento também era importante pra vc. E de novo: vc é a melhor companheira de poltrona de avião do mundo! Quero mais! <3

Lisi disse...

Eu ainda não tenho filhos, mas semana passada tb viajei por 5 dias. E olha, parece surreal sair da mesa e não ter que lavar os pratos! Não ter tb que fazer o almoço, nem cumprir horários. Não lavei, não passei, não varri nenhum cômodo. Só passeei, comi bem, dormi bem, e recebi muito carinho da família que fui visitar. Foi ótimo! O marido sentiu saudade, eu senti saudade, e aí tb foi ótimo estarmos juntos de novo. Vale a pena mesmo!

Sócia da Light disse...

Evita, você fez muito mais do que imagina naquele vôo - foi a mão que segurou a minha quando eu estava mais sensível, mas não enxugou lágrima e sim me fez começar a curtir muito a viagem! Te agradeço pra sempre. E não vejo a hora de mais também!!! <3

Lisi, quem não tem filhos também tá nesse bonde, lógico. Quem gosta de ir sozinho e quem gosta de ir com a cara-metade também, ué. O importante é saber que, se a escolha for deixar os queridos em casa, todo mundo vai sobreviver e nenhum trauma terrível vai se abater. Marido não se cortou, chorou ou pirou, né? Aposto que gostou também de ter um tempo pra ver TV com a posse do controle e o o pé no sofá. Então. É isso. ;-)

Mônica disse...

Cada família - cada pessoa, na verdade - tem uma dinâmica própria e acho que todo mundo seria muito mais feliz se aprendesse a reconhecer a sua e deixasse os outros em paz. Ô gente chata!
(Em tempo: eu também quero ir prá niorque djá...)

Anônimo disse...

Achei sensacional você ter ido, e daqui alguns anos as meninas também irão sozinhas. Socorro!

Dri.

Cristiano disse...

Que bom que foi proveitoso... :P

Sara disse...

Não tenho filhos, e nem sou casada ainda, mas vou salvar esse texto pra usá-lo como uma espécie de argumento científico no futuro (que eu espero não estar tão distante assim!).

Paulinha disse...

Viajar é tão bom né? Ainda mais qdo vamos com pessoas queridas, e melhor ainda é voltar e encontrar nossas pessoas queridas nos esperando!!!!