terça-feira, 15 de junho de 2010

Um pedaço de verde

Os primeiros escritores que falaram sobre esse tema, séculos atrás, chamavam a jardinagem de "terceira natureza humana". A primeira, eles definiram, seria a nossa vocação selvagem; a segunda, o cultivo agrícola. E em terceiro veio essa atividade que muitos julgam pura matada de tempo senil - mas que, na minha opinião, é de uma necessidade visceral pra boa saúde interior. Seja fazendo, seja só convivendo.

Fazer um jardim de fato, cultivar vasinhos, criar uma horta, eu confesso, não é uma coisa na qual eu me destaco muito. Pra dizer a verdade, já cheguei a cogitar se teria "o dedo podre". Seria o contrário do Tistu, aquele menino que tinha o dedo verde e, onde metia a santa mão, fazia nascer vida. Toda plantinha que eu decidia manter, morria uma morte agônica. Felizmente, pelo advento da insistência e da perseverança, eu acho que isso é passado.

Lá no sítio do meu pai, a coisa que mais gosto é de ajudar com os canteiros hortículas e ornamentais - divididos entre o Véio, que curte horrores prover a casa com suas ruas de alface, almeirão, berinjela, temperos etc., e a Véia, mestra na arte de fazer uma floreira vibrante e colorida. Só consigo é ajudar mesmo, não decidir por conta própria que mudas comprar ou onde plantar. Isso, acho, é capacidade que se adquire com muita leitura, experiência e tempo de vida. Eles sabem onde cada espécie se dará melhor, em que época, com qual terra e quantidade de água. Eu só faço o que me mandam.

Mas mesmo sem o dom nato, aprendi a apreciar. O Dono da Casa, doido das plantas, é objeto de admiração pra mim. O danado aprendeu tudo sobre bonsais - e pratica à beça o cuidado com essas arvorezinhas esquisitas e atrofiadinhas em estilo japonês. O sujeito é capaz de varar o mundo em busca do melhor regador, dos alicates certos e de uns arames muito loucos. É como um torturador insaciável! Eu admiro mesmo. Mas minha única função para com esse pessoal que dominou nossa sacada é a rega nos dias em que o Dono da Casa viaja. Confissão: mesmo com essa ínfima responsabilidade, me pelo de medo de matar as bichinhas por inanição ou afogamento.

Porque jardim precisa ser viçoso, né? Aqui no prédio, quando chegamos pra morar, me deprimia ver a suposta "área verde" da entrada tão abandonada. Era um terrão largado, cheio de ervas daninhas, folhas amontoadas e umas espadas de são-jorge que já não defendiam a honra de ninguém. Reformamos - e dali em diante o jardim virou um ponto de parada no quarteirão, com a pitangueira em profusão, o gramado esforçado e as rolinhas fazendo festa.

Impressionante como a alegria vem junto com uma mera área verde dessas. É parar num jardim - num parque, numa horta ou, que seja, do lado de uma samambaia - pra reparar nos detalhes e se encantar. Não é a toa que alguns dos lugares mais lindos que visitei tinham a ver com o verde. O jardim de Versailles; o jardim de Boboli; o Central Park; o Hyde Park; o Jardim Botânico de São Paulo, que graças aos céus fica aqui bem mais pertinho.

E pra se encantar nem precisa tanta milhagem, viu... Ter em casa um grupo de violetas em flor, uma carreira de ervas pra cozinhar ou um limoeiro plantado no vaso já dá uma alegria que só vendo. Cuidar todos os dias, além de tudo, traz uma deliciosa sensação de compromisso entre você e a coisinha enraizada.

E eu sei que praticar a jardinagem ou qualquer tipo de cultivo ficou registrado como atividade de velhinhas bem velhotinhas mesmo. Minha aposta? Que essas velhinhas só alcançam tamanha longevidade porque se dedicaram à uma atividade tão bonita e recompensadora. É arregaçar as mangas e viver pra sempre por meio do verde.


Bem aventurados os amigos do verde!

6 comentários:

Anônimo disse...

Realmente o verde é vida. Quando nasci a casa dos meus avós paternos tinha horta e eu adorava ir lá quando pequena passear e cantar a música do "Alecrim Dourado"! Por conta do lado japones/camponês natural do meu pai ele também nutre grande afeição pelas plantas e há bons anos se divide entre o jornalismo e a jardinagem/criação de bonsais! Minha mãe também foi criada cercada de horta, mas com o pouco espaço ultimamente se dedica ao cultivo das Samambaias Renda-Portuguesa que eram da minha avó! Elas são tão lindas que fazem parte da herança da família (http://migre.me/PahB). Meu irmão é contrario a natureza, acho que nossa estadia em Maringá o traumatizou de alguma forma. Minha irmã tem uma mão boa com plantas como meus pais, coisa linda de se ver! Eu adoooro verde, mas tenho "dedo podre" consegui matar o cacto lindo que meu pai me deu (http://migre.me/Pal9). Flá, me conta seu segredo para reverter isto??? :)
beijinhos

ps: foto linda da Sasá

Anônimo disse...

Confesso que admiro os jardins bem cuidados, mas que sou uma negação pra cultivar qualquer planta que seja, até mesmo uma erva daninha morreria se fosse cultivada por mim. XD

Minha mãe tem uma mini selva aqui no jardim, eu digo que parece Lost... Hhahaha... Mas as orquídeas e as demais plantas estão com tudo!!

Gabriela P. disse...

Que lindo, Flá!
Você tem toda razão. No meu caso, não tem como não olhar pras plantinhas e não enxergar o dedo de Deus!
Sou louca pra ter um Bonsai, acho a coisa mais fofinha! Cactos também são legais.
Aqui em casa, temos uma área verde que era pra ter sido um jardim. Mas jardineiro nenhum dá jeito. :T
Acho que você devia dar umas aulinhas para o governo maringaense. Nossa cidade já chegou ao Guiness Book, em 1997, por ser a mais arborizada do mundo. Mas a pobre anda tão mal cuidada. :T

Beijo, Flá!

ps: uma fofura a Sá (como sempre)! *-*

Dri_ disse...

Eu e Victor concordamos plenamente :)

É que estamos com uma hortinha muita fofa lá em casa! Plantamos cenoura, beterraba, couve, tomatinho, salsinha e, de quebra, brotou um monte de espinafre :):):)

Esperamos ansiosamente pela colheita!!

Nanael Soubaim disse...

As velhotas não têm segredos, quem cuida da vida é pela vida cuidado, quem faz brotar e vicejar a vida tem a sua vicejante. Mexer com terra não é sujeira, é ter amizade com os minerais que nos formam o corpo e a graça de criaturas simples, como besouros, abelhas e aquela benfazeja gnominha de macacão da photographia. O Dono da casa está repleto de razão, porque eu que sinto a falta sei o valor de um pedaço verde no quintal. Eu que nasci praticamente na roça, sei o quanto ele está certo.

Sócia da Light disse...

Ah, N., acho que as velhinhas têm seus segredinhos, sim. Mas pra elas é tudo muito natural, né?

Dri, estou MORTA de vontade de ver a sua colheita e do Victor! Fotos dos produtos, quando houver, ok?
;-]

Gabi, eu não sabia disso sobre Maringá! Mas que pena ter decaído, hein? Acho que, nesse caso, as pessoas daí deviam fazer um piquetão e reivindicar a volta dos bons dias verdes!!

M-ly, minha mãe também é dedo verde como a sua. No sítio, impressionante, ela faz um gramado evoluir em questão de dias.

Mihudinha, já disse, deve ser a idade chegando, menina... Eu já matei cacto também! Mas hoje acho que tenho mais tempo e atenção com as plantas. Antes eu largava mão por dias e depois queria que as pobres vicejassem... Nem um vegetal-Hulk aguentava. :-D