quinta-feira, 8 de julho de 2010

A Lucy

A Lucy me deixa meio louca às vezes. Mas como a Lucy é quem sabe melhor passar, melhor lavar, melhor esfregar, melhor tirar aquela camada de pó de dois dedos que se forma sobre meus livros, eu mantenho a Lucy sempre por perto.

A Lucy faz faxina aqui em casa tem pra lá de cinco anos. Ela chegou quando a Sabrina ainda era um bebê-minhoca que se contorcia pra pedir leite. E foi ela quem me deu água com açúcar pra beber quando a Sabrina rolou feito uma minhoca suicida da cama e caiu de cabeça no chão.

A Lucy me deixa muito puta quando ela quebra certas coisas que falam alto ao meu coração, como o carrinho que o Dono da Casa ganhou do pai dele ainda criança. A Lucy também me faz querer mastigar meu próprio braço de raiva quando sapeca uma blusa nova com o ferro ou quando está doente e não pode trabalhar - mas só me avisa isso aos 49 do segundo tempo.

Mas a Lucy cuida da minha casa como se fosse dela, isso eu acredito. Dá um duro danado, essa mulher, eu nem sei de onde vem tanta energia. Eu sou uns 40 centímetros maior que ela e certamente tenho uns bons 20 quilos a mais. Mas quando a vejo erguer a poltrona ou bater as almofadas, tenho a impressão que, num mano-a-mano, ela me daria um couro sem precedentes.

A Lucy é a única que eu tolero aqui em volta - e, mesmo assim, só uma vez por semana e por umas 7 horas no máximo. A gente nunca teve babá ou empregada fixa. O pessoal estranha muito, porque hoje em dia parece que a conta é: "ter 1 filho = ter 1 babá" e "ter 2 filhos = ter babá e empregada" (quando não é "ter filho, emprego e casa = ter babá, empregada, cozinheira, motorista, office-boy e o que mais comportar").

A maioria estranha, mas eu não. Trabalhando em casa, preciso de uma certa paz e rotina pra conseguir me concentrar. E só a Lucy já fala pelos 19 cotovelos dela. Não se enganem, eu falo pelos meus 28 cotovelos também. Mas a Lucy fala bem na hora que eu preciso despachar a matéria, ou colocar a Sabrina no prumo, ou resolver coisas ao telefone, ou quando estou do outro lado da casa (e preciso voltar pra ouvi-la falar mais o final do assunto).

E olha que a Lucy fala que fala e fala pacas de doença. Tem sempre um achaque, essa mulher. Mas eu acho que a maioria é piração, porque a Lucy tem a mente mais hipocrondríaca que a minha. Olha que pra EU dizer pra alguém "deixa de bobagem, você não tem câncer, olha aqui o exame!" é um avanço.

Mas acima de tudo e apesar de tudo, a Lucy é quem vem aqui fazer aquilo que eu não consigo e não sei fazer pra deixar a nossa casa em ordem, cheirosa, brilhante. Eu nem preciso dizer o que ela deve fazer. Aliás, eu não saberia dizer - primeiro porque ela sabe melhor, segundo porque eu sou um horror pra mandar nos outros. Ok, mandei em alguns estagiários, alguns repórteres... mas era na minha área. Mandar usar detergente em vez de sapólio, papel em vez de paninho, água em vez de cera... Isso eu deixo pra Lucy resolver. Mesmo que às vezes me pegue pensando "porra, quem manda em quem por aqui??".

É que ela me deixa louca às vezes, mas tem coisa que não se discute com uma mulher forte, decidida, meio pirada e com 40 anos de trabalho, literalmente, nas costas.


A mão que tanto me ajuda

9 comentários:

Gabriela P. disse...

Ai que fofo! *-*
Quero uma Lucy, tambem!

Anônimo disse...

Hoje em casa não temos empregadas, mas cresci com a diarista da minha tia e adorava ela. Super Dona Jô, assim como a Lucy, levantava movel que eu achava que vinham chumbados no chão, limpava tudo que era uma beleza. Sinto falta dela, tanto na hora que tenho de tirar o pó das minhas coisas, como aos sábados quando a vida era mais simples e ela me deixava "ajudar" em algumas tarefas.

Anônimo disse...

Que legal esse texto Flá! Eu também piiiiiiro com a Ivanilda pedindo a cada semana: " cabô a cândia! " ... mas se não fossem elas, seria mais uma coisa pra ter que fazer nos poucos finais de semana de sossego... nem pensar! Beijos! Dri

Nanael Soubaim disse...

Se parar de trabalhar, ela adoece.

Ivana Martins disse...

Existem tantas Lucys por aí. E elas são pessoas muito especiais, pena que poucas pessoas dão à elas o valor correto. Que bom que você dá. Beijos.

Dri_ disse...

Só trocar as protagonistas que dá certinho lá em casa rsrsrs principalmente na parte "só ela que eu tolero por aqui" e "quem manda aqui"?

Mas relevo tudo, porque foi a única a me dar a mão na depressão pos-parto.

Dri_ disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dri_ disse...

Flávia, quero mandar foto da nossa colheita, lembra?

Sócia da Light disse...

Oi, Dri!! Ah, manda sim a foto! flaviasociadalight@gmail.com.

Mal posso esperar. :-D